Em Tentúgal, quando circulamos na estrada para a Figueira da Foz, se virarmos à esquerda nos semáforos podemos ver, por trás das edificações existentes, um conjunto arquitectónico evidentemente antigo em acentuado estado de degradação. Trata-se do Paço do Infante Dom Pedro, também conhecido por Quinta do Paço ou Paço dos Duques do Cadaval.
Para conhecer algo sobre este conjunto arquitectónico socorro-me das informações do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico da Direcção Geral do Património Cultural. Ficamos assim a saber que a informação mais antiga sobre este Paço é de Outubro de 1413 quando o Rei D. João I doou ao Infante Dom Pedro, ainda muito jovem, o lugar, paços e reguengo de Tentúgal. Dois anos depois, no regresso da tomada de Ceuta, Dom Pedro é nomeado Duque de Coimbra e, em 1417, o Duque de Coimbra mandou construir a capela de S. Miguel no seu Paço.
Dom Pedro de Avis e Lencastre foi Regente da Coroa de Portugal durante a infância de D. Afonso V, Duque de Coimbra, Senhor de Montemor e de Buarcos, de Aveiro, Ílhavo, bem como Senhor de Tentúgal, de Mira, de Penela, Lousã e outras terras da Beira Litoral. Haveria de ser vítima de cilada por parte de D. Afonso V e de D. Afonso 1º Duque de Bragança seu meio-irmão, sendo cobardemente assassinado em Alfarrobeira em 20 de Maio de 1449.
É quase impossível não cair na tentação de ligar o actual destino do Paço ao do seu mais antigo proprietário já que a memória do Infante dom Pedro, o Príncipe das Sete Partidas, parece ter sofrido alguma maldição destinada a apagar o seu nome e o seu relevante papel na História do Portugal do início do sec. XV. Ao destruir a memória de Dom Pedro nunca um cronista oficial terá sido tão eficiente na limpeza de um nome grande como Gomes Eanes de Zurara que bem mereceria ser considerado o grande percursor das “fake news” do nosso tempo.
Em 1476 o Paço de Tentúgal seria objecto de uma troca entre o príncipe D. João, futuro Rei Dom João II o Príncipe Perfeito neto do Duque Dom Pedro, e D. Álvaro de Portugal, pai do 1º Conde de Tentúgal, D. Rodrigo de Melo. Assim terminava a ligação do Paço de Tentúgal com o antigo Regente do Reino. Em 1648 o Conde de Tentúgal D. Nuno Álvares Pereira de Melo, é nomeado 1º Duque de Cadaval, título concedido por D. João IV aí se iniciando a ligação do Paço à Casa de Cadaval, entrando em ruínas pouco depois por falta de utilização. Em 1834 o Paço foi incendiado pelos liberais dado que o então 6º Duque do Cadaval pertencia à facção absolutista. Continuando na posse da Casa de Cadaval, sofreu profundas alterações durante o sec. XIX e foi utilizado ainda durante boa parte do sec. XX, após o que entrou em estado de acentuada degradação, até hoje. Por volta do fim do sec. XX o Paço que inclui as edificações e terrenos com mais de 120 mil metros quadrados foi vendido a uma sociedade imobiliária, tendo desde então sido objecto de várias transacções.
Felizmente, devido à atenção e cuidado do CEMAR dirigido por Alfredo Pinheiro Marques o Paço foi declarado Monumento de Interesse Público por Portaria publicada no Diário da República em Junho de 2013.
Uma breve visita permitiu verificar que as edificações abrangem o palácio propriamente dito constituído por vários corpos, com aberturas de janelas ogivais e três grandes chaminés. A capela mandada construir pelo Duque Dom Pedro nunca foi reconstruída, resistindo as paredes de grande altura e o pórtico ogival. O celeiro para o milho construído há mais de 500 anos impressiona pelas suas dimensões, mas também pelas características da construção, havendo notícia de que o telhado ruiu já durante o sec. XX. Tem oitenta metros de comprimento, sendo constituído por três naves à maneira de uma grande igreja, com colunas lindíssimas ainda hoje erectas.
Todo o conjunto é impressionante, incluindo eira e os acessos ao longo dos terrenos, com uma vista extraordinária sobre os terrenos do Baixo Mondego. As edificações terão ainda elementos significativos das construções originais, pelo que a classificação como monumento de interesse público é de capital importância para uma futura e desejável recuperação e capacidade de utilização que lhes dê nova vida. Em suma, se o leitor ainda não conhece, desafio-o a passar por lá e aperceber-se de um património escondido e quase desconhecido que só posso classificar como fabuloso, aqui lhe deixando uma fotografia que tirei à distância.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Setembro 2024