segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Mercados, para que vos queremos?



Portugal procedeu à primeira colocação de dívida pública nos mercados internacionais após o Memorando de Entendimento.
Relembremos o essencial: em Maio de 2011, Portugal teve que pedir o apoio do FMI e da União Europeia, por já não conseguir financiamento nos mercados internacionais; tal devia-se a um défice das contas públicas superior a dez por cento e uma dívida pública gigantesca. Os juros de dívida pública ultrapassaram a famosa barreira dos 7%, rondando os 10%. Portugal viu-se na obrigação de se entregar à Troika para conseguir financiamento desta em vez dos mercados, comprometendo-se em troca a aplicar as medidas impostas no Memorando de Entendimento. Logo a seguir as eleições ditaram a mudança de Governo e teve que ser a coligação do PSD/CDS a aplicar as difíceis medidas que todos estamos a ver e sentir.
Desde então, o défice das contas públicas tem vindo a descer, sendo neste momento de 5%. Após a sexta avaliação favorável da troika ao programa de ajustamento português, o Governo decidiu antecipar a ida aos mercados fora da protecção do FMI e do BCE e colocou 2,5 mil milhões de dívida pública a longo prazo com uma taxa ligeiramente inferior a 5%, ficando com as necessidades de financiamento para o corrente ano garantidas logo em Janeiro. Em paralelo, negociou com a troika um prolongamento dos prazos de pagamento dos seus empréstimos, baixando assim os riscos de tesouraria dos anos mais críticos para os reembolsos.
Entretanto soube-se também que, excluindo os juros da dívida pública, Portugal terminou o ano passado com saldo positivo nas suas contas públicas: em vez do défice previsto de 89,2 milhões de euros, obteve-se um valor positivo de 517,4 milhões de euros. Acresce que, pela primeira vez desde 1943, Portugal teve balança comercial positiva.
A verificação do que está a suceder teve reacções. Alguns vieram dizer que tinham razão em exigir um alargamento dos prazos desde o princípio, “esquecendo” que esse alargamento só seria possível e vantajoso para Portugal, como consequência do sucesso da aplicação das medidas e não ao contrário.
Outros salientam que a ida aos mercados significa mais dívida pública e têm alguma razão nesse ponto. No entanto, essa dívida gigantesca só poderá começar a ser “comida” quando a nossa economia virar o ciclo descendente e atingir um crescimento mínimo de 2%. Até lá, há que reformar profundamente, diminuir custos do Estado, criar condições objectivas e subjectivas para o crescimento económico sustentado, atrair investimento externo e ir pagando o serviço da dívida existente através de novos empréstimos com as melhores condições possíveis, até que as taxas de financiamento externo a longo prazo desçam ao valor sustentável dos 2%.
Que tudo isto está a ser conseguido com os enormes sacrifícios dos portugueses que todos conhecemos, é hoje evidente. Portugueses aliás, que dão sinais crescentes de não esquecerem quem nos trouxe aqui, de não admitirem que alguém desconsidere esses mesmos sacrifícios, e ainda de não quererem um regresso ao desregramento da despesa pública. Isto mesmo virá ao de cima nas eleições deste ano, ao contrário do que muitos pensam ou sonham.
O regresso aos mercados não é um fim em si, nem sequer um ponto de chegada. É apenas o fundamental início de uma longa caminhada para a necessária recuperação económica do país.



Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Janeiro 2013

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A importância do acessório



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 O País geme com a aplicação das medidas trazidas pela “troika” que há quase dois anos chamámos para nos salvar da bancarrota. Como todos sabemos, a enorme, gigantesca dívida pública que acumulámos durante anos, associada a um défice excessivo das contas do Estado, levaram a que os nossos credores perdessem a confiança na nossa capacidade de pagar a dívida. Por isso, as taxas a que nos emprestavam dinheiro subiram a níveis insustentáveis, causando uma impossibilidade prática de financiamento externo de Portugal.
As medidas do chamado “memorando” assinado pelo governo anterior são duras e isso faz-se sentir na vida de todos. Essas medidas visam essencialmente colocar os índices de referência dentro dos parâmetros exigidos pela presença no Euro. Os resultados desse esforço e sacrifício de todos começa a ver-se. Na semana passada, Portugal colocou dívida pública a curto prazo a uma taxa inferior a 2% e com uma procura largamente excedentária sobre a oferta. O presidente socialista francês veio logo depois “considerar que os difíceis esforços que Portugal está a fazer estão a dar frutos”, embora os que ainda por cá defendem os responsáveis pela situação a que chegámos tenham logo tentado tirar importância a essas declarações chutando para o lado com a PAC.
Mas há algo que falta de facto fazer e isso é mesmo o mais importante. Não chegámos a este ponto de um momento para o outro, nem a crise caiu do céu aos trambolhões. Fomos nós que construímos o caminho que aqui nos trouxe. Torna-se absolutamente necessário proceder a reformas profundas em toda a organização do país para sairmos do atoleiro em que nos encontramos.
Tudo, desde as funções do Estado até ao necessário “estado social” capturado pelas mais diversas corporações, tem que ser revisto, avaliado e reformado. São as gerações dos nossos filhos e netos que o exigem. É mesmo necessário e urgente um pacto inter-geracional que proteja as futuras gerações do egoísmo e falta de solidariedade da actual geração que sistematicamente tem colocado o seu bem-estar à frente de tudo e de todos de uma forma social e economicamente insustentável.
Tendo consciência disto mesmo, o Governo está a organizar conferências com diversas personalidades de diferentes quadrantes profissionais e ideológicos para encontrar caminhos para as reformas. A primeira decorreu há poucos dias. Porque o objectivo é que aí se diga o que se tem a dizer com inteira liberdade, essa conferência foi aberta à comunicação social, mas com regras estritas na divulgação do que lá foi dito: para reproduzir as intervenções dos diversos intervenientes, os jornalistas deveriam assegurar autorização dos próprios para tal, com excepção dos membros do Governo, que poderiam ser citados com toda a liberdade. O leitor teve certamente ecos desta conferência. E o que lhe chegou não foram as participações dos intervenientes, porque a comunicação social resolveu substituir-se à conferência como notícia. Rebelando-se de uma forma infantil e patética contra um prática seguida em muitos países e instituições quando o que está em causa é uma sessão discussão livre e franca de apresentação de sugestões e propostas para a qual são definidas regras que visam precisamente garantir essa liberdade, muitos dos jornalistas presentes substituíram o seu trabalho por intervenção política directa. Desta forma abandonaram e desrespeitaram os seus leitores para quem deveriam trabalhar informando com liberdade, mas também com seriedade e respeito pela verdade.
Quando não há pão, todos ralham e ninguém tem razão, diz o povo na sua sabedoria. Cabe a quem tem responsabilidades acrescidas pelas suas funções sociais e políticas, contribuir para a solução dos problemas e não ser mais um problema. A História não perdoará a quem se colocar de fora no esforço de encontrar soluções consensuais para construir um futuro mais digno para as gerações vindouras. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Janeiro 2013 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Profissão: político



 O nosso actual regime foi fundado em Abril de 1974 e vai fazer, portanto, 39 anos daqui a pouco tempo. Um regime político, qualquer regime político, precisa de pessoas que ocupem os lugares de exercício de funções de Estado, nos seus mais diversos níveis e sectores, com a maior competência possível.
Na nossa democracia, há um órgão de soberania cujas funções são exercidas por uma pessoa escolhida directa e pessoalmente pelo povo, que é o presidente da República. Todos os outros são escolhidos através dos partidos políticos ou, em alguns casos, poucos, por listas independentes.
Para o regular funcionamento de um regime democrático, é necessário que o povo possa escolher em liberdade. Mas não é menos importante que os partidos reflictam internamente essa liberdade e que os processos de escolha dos seus representantes sejam transparentes.
Depois do 25 de Abril houve uma substituição das pessoas que ocupavam os lugares de representação política do Estado. Mas as responsabilidades inerentes às mais diversas funções, muitas delas de elevada complexidade, obrigaram a que a classe política do novo regime tivesse sido formada durante o antigo regime, tendo todos eles uma experiência profissional sólida. Foi assim que, só após cerca de 25 anos, o actual regime começou a ter o poder exercido por personalidades que se formaram após o seu início, havendo hoje já muitos políticos em actividade que nasceram mesmo depois do 25 de Abril.
Esta situação traz novidades, desde logo pelos referenciais sociais e políticos destas novas gerações de políticos que não têm qualquer memória pessoal quer do regime anterior, quer do chamado PREC e primeiros anos fundacionais do regime democrático.
Por outro lado, a formação de muitos destes novos políticos é muito diferente da anterior. Iniciaram as suas carreiras políticas muito cedo, boa parte deles dentro das juventudes partidárias. Muitos nunca exerceram mesmo qualquer actividade profissional digna desse nome fora da política: são políticos profissionais.
Há quem defenda que os políticos profissionais colocam a Democracia em perigo. Pessoalmente, não irei tão longe. Mas que a profissionalização da política tem riscos, isso parece evidente. Desde logo, porque tende a criar um mundo artificial no qual se movem os políticos, com um afastamento da realidade que leva a promover uma desadequação das políticas aos interesses e necessidades efectivas das populações; nesse mundo próprio surge até uma linguagem que só os “iniciados” conhecem em profundidade e cujo significado é muito diferente daquele que o cidadão comum lhe atribui. Depois, porque esse é um mundo artificial que se auto-defende de quem efectivamente conhece a realidade e quais as melhores soluções para os problemas concretos.
O perigo está, portanto, no mundo fechado e artificial que os políticos profissionais tendem a criar. Esse perigo é real e cabe-nos a todos conhecê-lo e fazer o necessário para o prevenir. A limitação de mandatos vai nesse sentido, mas deverá ser estendida aos Deputados da Assembleia da República. Outra reforma importante será a alteração profunda da lei eleitoral, de forma a que qualquer eleitor possa cortar nomes das listas propostas pelos partidos. Só assim as máquinas partidárias deixarão de trabalhar em circuito fechado, o que permite aos políticos profissionais continuarem a sua actividade sem nunca se confrontarem directamente com aqueles que supostamente representam.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

PRIMAVERA/S



A Primavera é certamente a estação do ano mais celebrada pelos artistas. Significa o equilíbrio da Natureza com a igualdade dos dias e das noites que traz as temperaturas amenas, depois dos frios do Inverno. Condições que fazem a vida brotar de novo com exuberância com as novas plantas e as flores primaveris e fazendo realçar a sensibilidade dos que a têm mais desenvolvida, os artistas.
O célebre quadro de Botticelli que representa a Primavera representa tudo isto de forma exuberante. Encontra-se exposto na Galeria Uffizi em Florença, fazendo parte do valioso património cultural daquela cidade italiana.
Também a música tem celebrado a Primavera ao longo dos séculos, através de obras compostas por autores dos mais diversos estilos, alguns deles certamente bem conhecidos de todos nós.
Coimbra é uma cidade privilegiada, do ponto de vista patrimonial. O seu património construído é mais ou menos conhecido dos conimbricenses e mesmo de todo o mundo, através dos milhares de turistas que todos os anos nos visitam. Mas a importância da música nesse património é também crucial para compreender e amar a nossa cidade. A guitarra portuguesa, na sua versão de Coimbra, tem uma enorme importância na nossa cultura e, portanto, na definição da nossa identidade.
Certamente não por acaso, Francisco Martins deu o nome de PRIMAVERA a duas das suas composições mais marcantes para Guitarra de Coimbra. São raros os músicos que, além de instrumentistas exímios, são igualmente compositores de gabarito. Francisco Martins é um desses exemplos. As suas composições atingem uma beleza marcada por uma perfeição melódica rara que provoca nos ouvintes uma vontade de as ouvir mais e mais vezes, deixando-nos sempre com sabor a pouco quando terminam.
Francisco Martins foi sempre uma pessoa reservada, nunca tendo pertencido a grupos musicais formais, reservando as suas actuações para momentos por si escolhidos. Aluno de guitarra de Coimbra de António Portugal desde muito novo, as fotos mais antigas das suas actuações são do casamento de Luis Góis em 1959, então com apenas 13 anos. A sua discografia inclui, não apenas as PRIMAVERAS I e II, mas dezenas de outras composições suas, para além de interpretações de outras peças musicais. O seu primeiro álbum data de 1969 e intitula-se “Flores para Coimbra”, fazendo apelo a outra das referências primordiais da Cidade: as rosas da Rainha Santa.
Os Homens passam, mas as Músicas ficam. As composições de Francisco Martins são hoje tocadas por muitos dos instrumentistas da Guitarra de Coimbra, que as ouviram tocar a ele mesmo ou através da audição dos discos publicados. No entanto, para que essas músicas possam ultrapassar as fronteiras da distância e do tempo, é crucial preservá-las em papel que qualquer músico, em qualquer parte do mundo, possa ler e interpretar no seu instrumento. Só assim esse verdadeiro património cultural será preservado e legado de forma perene.
Foi isso mesmo que a Orquestra Clássica do Centro fez. Emília Martins juntou vontades e esforços que tornaram possível publicar em livro as partituras de 13 das mais conhecidas composições de Francisco Martins, sendo desejável que venha a acontecer a publicação das restantes obras. Sem qualquer apoio oficial, o património cultural de Coimbra surge assim, não só protegido, mas divulgado de forma perene para todo o mundo, porque a escrita musical é universal. Esta publicação das Edições Almedina contém, para além das partituras, os depoimentos de Rui Pato, extraordinário executante de guitarra clássica que acompanhou Francisco Martins em boa parte da sua obra musical, gravada e ao vivo, praticamente desde a infância e ainda de Armando Carvalho Homem que testemunha de forma tocante a impressão que a música de Francisco Martins provoca em ouvidos e intelectos sensíveis.
“AS PRIMAVERAS” é hoje um livro fundamental na biblioteca de todos os que se preocupam com o património artístico de Coimbra, mas também de todos os que admiram Francisco Martins, seja pela sua obra musical verdadeiramente excepcional, seja como médico, ou simplesmente como Homem.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Janeiro de 2013

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Bom ano novo


À medida que a Terra evolui em torno do Sol, os anos vão-se sucedendo, um após outro, com a regularidade a que a Natureza nos habituou,
Hoje é o último dia do ano velho e amanhã é dia de ano novo: convenção humana, a do calendário, mas essencial para organizar a vida dos homens, com respeito pelas efemérides astronómicas e, portanto, pela própria vida da Natureza que se lhes encontra intimamente ligada.
Este é um tempo de análise do ano que passou, do que correu bem e do que correu mal. É também o momento de perspectivar o futuro, de tomar decisões de mudança, de tentar introduzir melhorias aos mais diversos níveis
Tempos houve em que se simbolizava deitar para trás o passado, atirando os trastes pela janela fora na passagem do ano. Como se fosse possível construir um futuro, anulando o que passou. O tempo, essa foice inexorável, apenas no deixa o presente. O passado existe na memória e o futuro não é.
É o tempo para lembrar pessoas desaparecidas que nos eram pessoalmente queridas e outras que, de uma maneira ou de outra, se tornaram referências e mudaram algo na vida de muita gente, casos de Óscar Niemeyer, Neil Armstrong, Dave Brubeck, Ravi Shankar, Bernardo Sasseti ou José Hermano Saraiva. Em 2012 entusiasmámo-nos com descobertas ou sucessos da ciência, como o descobrimento do Bosão de Higgs no CERN, ou novos avanços na medicina. Ficámos chocados com as mortandades de crianças em escolas americanas. Espantámo-nos com a revelação de guerras pelo poder pessoal e económico dentro do próprio Vaticano. Infelizmente já não nos surpreendemos com as violações sistemáticas dos direitos das mulheres em determinados países teocráticos. A “primavera árabe” acabou, tendo agora o Egipto um presidente islamita e uma constituição em conformidade com os novos tempos, enquanto na Síria continua a sangrenta guerra civil, onde também se foram meter os extremistas muçulmanos, baralhando todos os dados.
Muitos dos que entre nós celebraram a vitória de Obama, protestam agora pela saída dos militares americanos dos Açores, coisa que eles mesmos exigiram durante dezenas de anos.
Claro que sabemos bem que em 2013 Portugal vai continuar a receber as visitas periódicas da troika, embora quem a chamou in extremis em 2011 faça os possíveis e impossíveis para esconder essa tremenda responsabilidade que nos trouxe a austeridade que tudo indica irá ficar por muito tempo. O flagelo do desemprego continuará a atingir níveis históricos com toda a carga de tragédias sociais e infelicidade pessoal generalizada. Vamos ser obrigados a vender os anéis para tentar salvar o essencial do Estado Social. Valha a verdade que vários indicadores económicos começaram já a mudar de inclinação na sua evolução, tais como as taxas de juro da nossa dívida pública, a balança comercial com o estrangeiro e, acima de tudo, a redução do défice orçamental de 10% para 5% em ano e meio! Ainda é cedo para saber se esta evolução é significativa, mas introduz alguma esperança de que os sacrifícios possam vir a valer a pena e proporcionem o regresso do país ao bom caminho.
Em 2013 haverá eleições para as autarquias. A famosa e necessária reorganização administrativa do país acabou por se ficar numa tímida diminuição do número de freguesias, necessária mas com sabor a pouco por não ter havido coragem para se mexer nos concelhos. Entrando finalmente em vigor a lei da limitação de mandatos haverá, apesar de tudo, uma grande alteração nas caras do poder autárquico.
Ao entrar neste novo ano, façamos votos de que as mudanças a que assistimos venham a ter os resultados para que foram pensadas e que também sejamos suficientemente sensatos para não permitir que um passado por si mesmo ultrapassado venha atropelar os caminhos do futuro.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

(Re)construir Cidade



A maior parte das pessoas já terá esquecido o Euro 2004. Foi mais um daqueles tais “desígnios nacionais” que, de vez em quando, acabam por deixar o país com mais dívida e com infra-estruturas e equipamentos públicos claramente excedentários e com enormes custos de manutenção.
Vários dos estádios “municipais” então construídos, como os de Aveiro, Leiria e Algarve vieram a mostrar-se autênticos desastres urbanos e financeiros.
Curiosamente, o único caso de sucesso de integração urbana, é o de Coimbra. Quando o Dr. Carlos Encarnação tomou posse da presidência da Câmara após a sua primeira vitória, viu-se na necessidade de decidir rapidamente sobre o que fazer com o Euro 2004 em Coimbra. Da gestão autárquica anterior havia herdado o contrato de empreitada para as obras do Estádio já assinado e com a tinta bem fresca, sem que a Autarquia tivesse disponibilidades financeiras para aquela obra. Uma rápida análise da questão permitiu concluir que a indeminização a pagar, caso não se avançasse com a obra seria enorme, o que levou a que a Autarquia avançasse com a obra, negociando um empréstimo de 35 milhões de euros a vinte anos, para o seu financiamento.
Nessa época, Coimbra tinha deficiências graves na oferta para a prática da natação, sendo o Concelho do Distrito com menor superfície de piscina por habitante. Acresce que as piscinas existentes junto ao antigo estádio se encontravam em adiantado estado de degradação não permitindo, nem uma prática segura, nem a realização de meetings a nível internacional. Por outro lado, o antigo parque de campismo municipal que aí havia funcionado durante anos estava abandonado, sem que se tivesse dado qualquer passo no sentido de construir um novo nos terrenos que a Câmara havia adquirido em tempos no Areeiro para esse efeito. A Praça dos Heróis do Ultramar estava transformada num enorme parque de estacionamento alcatroado ao ar livre, sem estrutura verde nem qualquer integração paisagística.
Como o edifício do novo Estádio permitia a utilização de grandes áreas desocupadas e o topo Norte não tinha destino definido, a Câmara decidiu então proceder ao seu aproveitamento, abrindo um concurso público internacional para a sua cedência em direito de superfície, o chamado Eurostadium, completamente independente das decisões anteriores sobre o Estádio. Como contrapartidas para a cedência desse direito de superfície por um período de tempo de 90 anos o concurso definia, para além da necessária integração urbanística, a construção e entrega ao município de um complexo olímpico abrangendo piscinas de 50 e 25 metros e um pavilhão polidesportivo, dois complexos de piscinas de 25 metros, um novo parque de campismo de grande qualidade e um parque de estacionamento com cerca de 3.000 lugares, dos quais 700 seriam entregues ao município, garantindo assim que os professores das escolas vizinhas passariam a dispor de estacionamento suficiente e em segurança.
A única proposta ao concurso veio a ser adjudicada, o que veio permitir uma alteração completa de toda aquela zona da Cidade proporcionando ainda uma feliz integração urbana do novo Estádio, cujo excelente projecto da autoria do gabinete de arquitectura conimbricense PLARQ permitiu a instalação de empresas, centro comercial, serviços, restaurantes, clínica, ginásio, restaurantes, lojas diversas, etc. As dúvidas levantadas por alguns cidadãos quanto à justeza ou legalidade da solução aprovada pela Câmara vieram a ser cabalmente respondidas pelo Supremo Tribunal Administrativo, pelo que a intervenção naquela zona, para além do sucesso da intervenção urbanística e de utilização do Estádio, revelou-se também adequada sob o ponto de vista legal.
Foi assim que Coimbra não ficou apenas com um novo estádio de futebol com 30.000 lugares que infelizmente raramente ultrapassa os 5.000 espectadores por jogo. Na verdade, reconstruiu com qualidade toda uma zona urbana incaracterística e dispõe hoje em dia de uma oferta excelente de equipamentos para a prática desportiva com um grande grau de utilização permanente, que colocaram Coimbra no mapa dos grandes eventos desportivos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Dezembro de 2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Definir um futuro colectivo: PDM


A ocupação de um território é determinante para a vida das pessoas, quer as que lá vivem, (trabalhando, estudando, fruindo cultura, descansando, fazendo compras), quer as que o visitam esporadicamente.
Por várias razões sobejamente conhecidas, o território português tem sido, nas últimas dezenas de anos, vítima de agressões e utilizações que se verifica hoje não serem sustentáveis do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista económico.
A construção de novas edificações fez-se a um ritmo alucinante, acompanhando o negócio dos empréstimos bancários para habitação a juros baixos com endividamento externo do sistema bancário. As consequências, pagamo-las hoje todos a diversos níveis: falta de mobilidade decorrente da amarração à casa que se paga ao banco, elevado endividamento familiar, reduzido mercado de arrendamento habitacional, crescimento das cidades em mancha de óleo, enormes custos de construção e manutenção de infra-estruturas, falta de capacidade de resposta dos transportes públicos, gastos excessivos com combustíveis, demasiado tempo gasto com deslocações, abandono e diminuição de valor dos centros históricos urbanos, excesso de oferta de habitação e, consequência de tudo isto, falta de qualidade de vida. Verifica-se uma gritante falta de eficiência na utilização de um recurso fundamental que é o território, com custos gigantescos pagos por todos diariamente de forma directa e em impostos necessários para a manutenção do sistema.
Uma das peças cruciais para a definição estratégica da ocupação do território de qualquer município é o chamado Plano Director Municipal (PDM). Um PDM deverá ser “um instrumento abrangente, flexível e orientador” para o espaço a que se destina, muito mais que uma ferramenta de gestão diária do território, para o que é manifestamente insuficiente, podendo mesmo, se assim utilizado, ser gerador de erros e distorções graves.
A Câmara Municipal de Coimbra aprovou recentemente a proposta de primeira revisão do PDM que data já de 1994, a qual deverá agora ser objecto de parecer da respectiva Comissão de Acompanhamento e análise da CCDRC para efeitos da Reserva Ecológica Nacional.
A proposta de revisão do PDM de Coimbra apresenta diversos aspectos que são de salientar e mesmo de saudar. Desde logo, entre muitos outros, evitou-se o crescimento da área dos perímetros urbanos, que apenas aumentam em cerca de 3%, fundamentalmente para implantação de indústrias, o que significa o fim da expansão descontrolada da construção. Depois, porque o PDM aponta para o “reforço do papel de Coimbra como cidade estratégica no sistema urbano nacional e como centro de uma região polarizada em seu torno” não deixando de manifestar a importância das questões da mobilidade e da reabilitação urbana.
Poder-se-á dizer que são boas ideias difíceis de concretizar e são-no de facto. Mas se uma Cidade não tiver consciência colectiva do seu valor e do que pretende alcançar nunca lá chegará, porque andará perdida entre boas intenções individuais dependentes do sabor de cada momento.
O novo PDM de Coimbra aponta para um futuro de Coimbra que se irá reflectir muito favoravelmente na qualidade de vida das gerações que virão, que é aquilo que verdadeiramente interessa no planeamento do território.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

PACtuar com Van Rompuy?



A União Europeia discute neste momento o seu orçamento para 2013. Poder-se à pensar que uma coisa é o orçamento habitual anual e outra coisa é a situação de alguns países da união que atravessam problemas tais que, ou já estão a receber apoio financeiro como Portugal, a Grécia e a Irlanda, ou tentam fugir a essa possibilidade, casos de Espanha e Itália. Mas a visão das coisas não deve, ou não deveria, ser essa. As opções políticas da União em termos de economia têm tido e continuam a ter, consequências nos diversos países, normalmente para o bem, mas também demasiadas vezes para o mal.
Foi por definições estratégicas definidas na União Europeia que, por exemplo entre nós, se abandonaram ou diminuíram drasticamente actividades económicas ligadas à indústria pesada (metalúrgica, por exemplo), agricultura e pescas. Começa hoje a sentir-se que mais valia não termos sido “bom aluno” nessa matéria e que deveríamos antes ter mantido, ampliado e beneficiado algumas actividades económicas tradicionais em que tínhamos capacidade produtiva instalada, conhecimento e até competitividade. Não o fizemos e estamos hoje numa situação em que a necessária recuperação industrial tem que começar quase do zero em muitas áreas.
A agricultura é uma actividade económica essencial. É sabido que boa parte dos campos do país foi abandonada, tendo mesmo havido subsídios da União Europeia para tal. A chamada PAC (política agrícola comum) sempre beneficiou os grandes produtores (alemães e franceses) em detrimento dos pequenos e dos países periféricos. No início da PAC, os dinheiros europeus destinavam-se apenas a subsidiar os preços dos produtos agrícolas da Europa, com custos altos e não competitivos. A filosofia da PAC evoluiu nos últimos anos, pela diminuição gradual dos apoios directos à produção (o chamado pilar 1), passando-os para o investimento (pilar 2). No entanto, a actual proposta do presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy veio inverter esta tendência virtuosa, propondo cortar mais no pilar 2 do que no pilar 1. Sucede que os apoios da PAC recebidos por Portugal estão dentro da média europeia quanto ao pilar 2 (investimento), mas abaixo no que respeita ao pilar 1; a presente proposta é, assim, prejudicial aos interesses portugueses, já que precisamos de investir massivamente em agricultura para ajudar à recuperação económica. Razão mais do que suficiente para se perceber que também do lado do orçamento anual da União poderá vir mais ajuda para ultrapassarmos a actual difícil situação em que nos encontramos, até porque o sector agrícola é dos poucos que tem crescido (2,8%).
Claro que os gastos da União com a agricultura são mínimos (0,4%) quando comparados com o total de investimento público europeu, mas mesmo assim a PAC absorve cerca de 40% do orçamento europeu, o que traduz bem a sua importância. Tratando-se de uma indústria que produz menos de 2% do produto europeu e emprega menos de 5% da força de trabalho da União, facilmente se percebe até que ponto a União se encontra ainda enfeudada aos interesses dos agricultores franceses, alemães e do antigo Benelux e receia a capacidade reivindicativa do seu lobby. Basta recordar as impressionantes manifestações de tratores em Bruxelas ou gigantesco banho de leite que ainda a semana passada os polícias apanharam em frente à sede da União. Mas o caminho deve ser o de apoiar cada vez mais o investimento no sector, levando a maiores eficiências e diminuindo drasticamente ou acabando mesmo com os apoios à produção, que subsidia produtos e baixa artificialmente os seus preços, à custa de impostos e das outras actividades económicas.
 O nosso interesse é claramente defender o investimento na agricultura, para a modernizar e tornar mais produtiva e eficiente. Devemos estar bem conscientes dele e exigir aos nossos representantes que nos defendam com eficácia, ao contrário do que se fez durante anos em que abatemos barcos de pesca e eliminámos produções agrícolas, tudo subsidiado por uma Europa artificialmente excedentária e ávida de mercados.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MÁRIO SILVA: ARTE E CIÊNCIA



Na passada sexta-feira o Mestre Mário Silva celebrou em Coimbra o seu 83º aniversário. Entre os amigos que jantaram e festejaram no Pavilhão Centro de Portugal, contaram-se os Antigos Orfeonistas que acrescentaram a sua própria arte ao encontro festivo. Ocasião para juntar mais jovens e menos jovens à volta de quem fez da sua vida uma juventude perene e cheia de irreverência.
O pintor Mário Silva é filho de um outro Mário Silva, o físico e professor da Universidade de Coimbra, único português a ter acompanhado as grandes descobertas da Física levadas a cabo no Instituto de Rádio em Paris nos anos vinte e trinta do século XX. Sob a direcção de Madame Curie e ao lado de uma plêiade de alguns dos maiores cientistas do século, Mário Silva aí se doutorou e participou no desenvolvimento da Física que viria a mudar toda a face da Ciência. Infelizmente, pouco tempo depois do seu regresso a Coimbra, velhas teias inquisitoriais (algumas ainda hoje persistentes) e a sua corajosa afirmação de independência de espírito e de apego ao valor da Liberdade, ditaram uma vergonhosa expulsão da sua Universidade em 1947, com origem directa em Salazar, injustiça só de alguma forma reparada pela sua simbólica e tardia reintegração em 1976. Com ele foram expulsos os seus assistentes, tendo-se assim perdido toda uma oportunidade de envolvimento da Universidade de Coimbra na vanguarda da Ciência da altura. Entre eles, contava-se João Teixeira Lopes que vim a conhecer e a admirar, que me contou sobre a vida de Mário Silva, bem como as caçadas com Adolfo Rocha e as tertúlias e partidas de cartas na Rua Ferreira Borges com, entre outros, Paulo Quintela, Teixeira Ribeiro e o mesmo Adolfo Rocha (M. Torga). O saudoso Mendes Silva não podia perder a oportunidade de passar pela presidência da Câmara de Coimbra sem homenagear a memória do Professor Mário Silva e foi a seu Filho que pediu ajuda na concretização do monumento.
O Mestre Mário Silva não seguiu as pisadas de seu Pai na Física. Quando jovem ainda andou pelas engenharias, mas decidiu percorrer o seu próprio caminho onde é grande, enorme: na Arte. Personalidade fascinante pela sua capacidade de chocar através da irreverência que nunca o abandonou, o que poderá assustar quem não o conheça mais de perto. Pessoalmente é de uma delicadeza e de um carinho para todos os que o rodeiam que comove. Dele não se dirá que ama a humanidade em abstrato e sim todos e cada um dos homens e mulheres que a compõem. Ver o Mestre Mário Silva a partilhar com crianças a sua Arte e a ensiná-las a produzir obras com as mais diversas técnicas é uma experiência inesquecível.

A sua pintura marca todos os que a conhecem. Terá este ou aquele período com mais elementos comuns de identificação, mas a sua obra é imediatamente reconhecível. Desde os quadros sobre a repressão e libertação até às representações de Coimbra, são todos reconhecíveis e admiráveis. A sua estatueta de bronze de Cristo na cruz é impressionante na ultrapassagem da dor do sacrificado pelo abraço que parece dar a todos os que sofrem. Como não podia deixar de ser, o artista esteve representado em exposições por todo o mundo e há obras suas em diversos Museus de Arte Moderna e Contemporânea em Portugal, mas também na Europa, EUA, Canadá e Brasil. Recebeu inúmeros prémios, de que saliento apenas o Prémio Internacional da Paz, pelo Instituto Internacional de Estudos Humanísticos de Roma - Fundação para os Poetas, Escritores, Pintores e Jornalistas em Itália (83).
O Mestre Mário Silva, que nasceu em Cimbra, vive hoje em Lavos na Figueira da Foz, sendo significativamente vizinho de pescadores. É a prova viva da ligação íntima entre a Figueira da Foz e Coimbra, pelo que não se deveria esperar muito mais para que estas cidades se unam numa justa homenagem comum ao Artista maior que é Mário Silva.
Pela minha parte, de forma modesta, e dado que a língua pertence aos que a praticam, a liberdade de escrita permite-me que assim manifeste de forma plural o reconhecimento e respeito que Pai e Filho me merecem: Pelo que nos deram e dão, bem hajam, Mário Silva.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Dezembro de 2012