A primeira e principal razão apresentada por Putin apara invadir a Ucrânia, faz agora um ano, foi «a desnazificação» da Ucrânia. Em paralelo, argumentou com uma» zona de segurança» da Federação Russa perante uma expansão do inimigo NATO.
O resultado dessa invasão, que continua, salda-se hoje em muitos milhões de refugiados ucranianos, milhares de civis ucranianos mortos, incluindo mulheres e crianças e destruição inacreditável de cidades inteiras com bombardeamentos de artilharia e mísseis lançados a partir de território russo e do mar Negro. Isto para além de largas dezenas de milhares de soldados mortos de ambos os lados, sejam atacantes russos, sejam defensores ucranianos.
Nas primeiras semanas da invasão o alvo principal dos russos foi a própria capital da Ucrânia, Kiev. Ficou evidente, para todo o mundo, que o objectivo imediato de Putin era conquistar a capital e instalar um regime fantoche por si comandado, como já acontece em vários países da antiga União Soviética.
Só que aconteceu o impensável. Os ucranianos fizeram das tripas coração, agarraram-se à sua terra e conseguiram repelir o ataque à sua capital, apesar dos proclamados 60 km de extensão da coluna invasora russa. Desde então, os russos praticam uma técnica de guerra implacável de destruição de cidades, quer sejam edifícios de habitação, ou sejam escolas ou hospitais, numa demonstração de total desprezo pela vida de civis desarmados sem defesa e das leis e convénios internacionais. A actuação criminosa e bárbara dos soldados russos vai ainda mais além, cometendo sistemáticos crimes de guerra contra a população civil que, mais tarde ou mais cedo, terão de vir a ser objecto de julgamento em tribunais internacionais. Tempo virá em que o próprio Putin poderá ter que se sentar no banco dos réus.
Mas, entretanto, muita desgraça está e ainda vai acontecer, fazendo-se votos de que a patente demência de Putin não o leve a fazer subir a guerra ao patamar seguinte que levaria ao holocausto nuclear e à destruição de grande parte da Humanidade.
Acima de tudo há que perceber os processos mentais de Putin e desmontar a sua máquina de propaganda que, até entre nós consegue encontrar defensores. Para o comprovar basta ver que os deputados comunistas, usando embora da sua indiscutível liberdade, não apoiaram as intervenções de apoio à Ucrânia invadida e repúdio da Rússia invasora na Assembleia da República no passado dia 24 de Fevereiro.
Parece-me evidente que a teoria da «desnazificação da Ucrânia» de Putin radica na necessidade de obter o apoio da população russa que, como seria normal, deveria aceitar com dificuldade a invasão de um país vizinho, ainda por cima com tantos laços históricos. Ao usar o termo «nazi» Putin sabe bem que está a apelar a um sentimento profundo dos russos que colectivamente têm ainda uma memória trágica do sucedido na II Grande Guerra. De facto, embora a Alemanha nazi e a URSS comunista tivessem assinado um tratado de não agressão em Agosto de 1939, imediatamente antes da invasão alemã da Polónia, a Alemanha levou a cabo a Operação Barbarrossa a partir de Junho de 1941 invadindo a União Soviética. Invasão que só terminaria em Janeiro de 1942, tendo morrido mais de 26 milhões de soviéticos. Para além disso, os alemães perpetraram todo o tipo de crimes de guerra, numa barbárie impossível de descrever. O povo russo tem assim uma memória do nazismo que não desaparecerá durante muitos anos e a simples menção de «nazi» tem uma imediata reacção de rejeição.
Putin sabe bem disso e utiliza o argumento da forma mais despudorada, torcendo a situação da Ucrânia, que ainda por cima também sofreu na carne a invasão nazi, tem um regime democrático ao contrário do que hoje acontece na Rússia e o seu presidente Zelensky é de origem judaica.
No entender de muitos, Putin percebe que já perdeu a guerra e, como todos os ditadores, só encontra o caminho do tudo ou nada que leva inevitavelmente ao desastre. Já perdeu, porque todos os seus objectivos iniciais estão perdidos: o ataque directo à capital ucraniana foi um fiasco; a Ucrânia continua a existir e, a seu tempo, vai entrar na União Europeia; a NATO está mais forte e unida, com entrada até de novos países tradicionalmente neutrais como a Finlândia e a Suécia; a União Europeia encontrou novos motivos de união, quando andava um pouco perdida pensando apenas na economia; aliás, a União Europeia percebeu mesmo a necessidade de garantir a sua própria segurança, para além do guarda-chuva americano da NATO; por fim, a chantagem energética foi furada, tendo a Europa ocidental encontrado fontes energéticas alternativas ao gás e petróleo russos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 Fevereiro 2023
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