Parece ser pacífico que Portugal, no que até nem está sozinho nesse problema, está perante várias crises que parece terem-se combinado entre si para se manifestarem em simultâneo. Já abordei nestas linhas a crise da habitação, os diversos aspectos por que se manifesta com as suas causas variadas e quais as soluções que penso terem de ir em sentido oposto ao que é mais comum ouvir-se. A imigração é, quer se queira quer não, uma crise, intimamente ligada à habitação, à educação, à economia, ao emprego e, imagine-se, à própria sustentabilidade da segurança social. A baixa qualificação generalizada dos que entram, em conjunto com a emigração de muitos jovens com boa formação superior, contribui para a manutenção dos salários baixos, um dos nossos maiores problemas. A educação está em crise óbvia e nem é apenas pela falta de professores que se acentua ano após ano através da reforma de milhares deles por ano. Muitas escolas degradadas sem condições e a necessidade urgente de integrar os filhos dos imigrantes na sociedade portuguesa de forma harmoniosa e responsável são problemas a que urge dar resposta capaz e urgente. Que a saúde está em crise é algo cuja evidência nem é preciso salientar.
O custo do SNS, que em poucos anos passou de oito para quinze mil milhões de euros anuais é um problema, mas nem será o maior A deficiente cobertura do território nacional com médicos a que se associa a falta destes em determinadas especialidades leva a que cada vez mais portugueses recorram à oferta privada, designadamente através de seguros de saúde, pagando duas vezes pela sua saúde. Dezenas de anos sem que os diversos governos tenham tido a capacidade ou mesmo a vontade de enfrentar os problemas trouxeram-nos aonde nós estamos. Claro que nem tudo correu mal, que os portugueses conseguem construir muito de positivo, as mais das vezes apesar de quem os governa, mas as crises estão aí à vista de todos. Todas estas crises, e muitas outras que podemos considerar sectoriais deixadas no tinteiro pela limitação de espaço, dever-se-ão essencialmente à falta de dinheiro, embora os governantes desperdicem muito, a nível nacional e mesmo local, basta ver o que se gasta para aí em festas. Recursos públicos escassos, apesar do enorme esforço fiscal dos portugueses, que reflectem a baixa produtividade da nossa economia, consequência, essa sim, da falta de visão económica estratégica dos governantes.
Mas Portugal enfrenta uma crise muito mais séria, porque abarca todas as outras, que é a da governação. Crise política, portanto. Nas eleições de Março de 2024 o PS e a AD ficaram empatados, com diferença apenas de 2.000 votos a favor da coligação de centro-direita. Este resultado reflecte a perda de 488 mil votantes pelo PS e o ganho de 225 mil pela coligação. Mas o Chega recebeu os votos de mais 770 mil portugueses do que em 2022, o que se traduziu em 50 deputados no que, em conjunto com o prático empate parlamentar entre PS e AD, constitui uma situação nova na política portuguesa. O que se passou nas últimas semanas no respeitante ao Orçamento de Estado para 2025 é bem o reflexo dessa situação. Quer a AD e o seu governo, quer o PS e o Chega estão numa situação que proporciona uma instabilidade orçamental que não pode deixar de significar falta de condições para uma governação visando o futuro e não o imediato. As hesitações e mudanças de rumo do líder socialista associadas ao único objectivo confesso do Chega que é a destruição do actual sistema político têm como consequência uma fragilidade governamental que deverá a AD a desejar eleições a curto prazo. Um desvirtuar do OGE insuportável para a coligação governamental terá, certamente, essa consequência e deverá ser difícil deixar de entender as razões dessa decisão. A tudo isto veio, nos últimos dias, juntar-se uma crise de segurança grave nos bairros periféricos de Lisboa que não surge do nada, antes da falta de soluções para todas as crises parciais que se foram acumulando durante os últimos anos. Esperemos que, para além da irresponsabilidade de extremistas de um lado e de outro do espectro partidário, os outros partidos, governo e forças de segurança tenham o sangue-frio e a capacidade de entender quais os verdadeiros interesses de Portugal.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Outubro de 2024