terça-feira, 28 de agosto de 2012

REGRESSOU A TROIKA


Regressou a Troika.
Para verificar se continuamos a empobrecer de acordo com as regras.
E para me lembrar sempre de agradecer todos os dias a quem os chamou, 



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Construir uma Cidade com História


Brasília foi construída do nada nos anos 50 e 60 do século passado, sob o impulso do Presidente Kubitschek de Oliveira, segundo um plano urbanístico de Lúcio Costa e tendo os edifícios mais marcantes a assinatura de Oscar Niemeyer.
Há poucos exemplos de cidades construídas assim apenas a partir de uma ideia e de um terreno vazio. Teoricamente, têm tudo para dar certo. Quem já foi a Brasília sabe que isso não é verdade. Para além do artificialismo e mesmo de um formalismo demasiado pesado, para uma cidade com menos de 100 anos, aparece-nos surpreendentemente velha e gasta. Mesmo os edifícios governamentais que aparecem tão bonitos nas fotografias surgem já, quando vistos mais de perto, com um ar sujo e pouco brilhante.
O que se dirá de uma cidade como Coimbra? Que é muito mais que o resultado do sonho de um homem. Coimbra não nasceu ontem. Antes de o ser já era Aeminium. Isso muito antes de um jovem rebelde ter resolvido pegar na História com as suas mãos e, mal ou bem, ter separado para sempre o Condado Portucalense da Galiza virando-se para Sul para construir um País, conquistando-o aos mouros.
O jovem que se fez Rei começando por lutar contra a própria Mãe, fez de Coimbra a primeira capital do seu Reino e foi nesse preciso momento que a História da nossa Cidade se começou a confundir com a História de um Portugal então nascente.
Nós, os que cá estamos hoje, tenhamos ou não responsabilidades públicas, somos apenas um momento fugaz na história da nossa Cidade. Isso não diminui o nosso papel, antes pelo contrário. Torna-nos responsáveis por um legado antiquíssimo que temos que transmitir aos que haverão de vir depois de nós. Da forma como o melhorarmos ou não dependerá a qualidade de vida das futuras gerações de conimbricenses.
Caímos muitas vezes na tentação de dizer que vamos definir o futuro, falamos mesmo demasiadas vezes num “homem novo”, temos a arrogância de imaginar que, com o poder, poderemos construir uma cidade nova.
Nada de mais errado, convenhamos, pelos desgraçados exemplos históricos que conhecemos. Mas cair na posição contrária não é melhor. Uma veneração estática do passado tantas vezes consequência de um conhecimento aprofundado pelo estudo universitário, mas acompanhada por uma incapacidade de provocar mudança e evolução, equivale a parar no tempo, transformando a cidade num museu de pedras mortas.
Isto é, construir uma cidade como Coimbra nos dias de hoje, exige, para além de um respeito pelo passado baseado num conhecimento histórico estruturado, uma compreensão do mundo actual e, fundamentalmente, uma grande vontade de acompanhar as mudanças e capacidade para “Fazer”.
Coimbra nem pode ter vergonha de si mesma e do seu passado, nem pode deixar de ter capacidade de se afirmar de uma forma orgulhosa por tudo o que de bom e progressivo possui nos dias de hoje, impondo-se numa grande região beirã que só espera isso mesmo de nós.
Aqui está a chave para a resolução de todos e cada um dos problemas sectoriais da nossa Cidade, quer na área da Cultura e do Turismo, quer na área do desenvolvimento sócio-económico, quer na gestão do território. O facto de todo o país atravessar um momento particularmente difícil, só nos pode encorajar a utilizar de forma consequente o legado do passado com os meios do presente, encontrando novas soluções para problemas velhos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Agosto de 2012

sábado, 25 de agosto de 2012

Neil Armstrong

Há quarenta anos fiquei agarrado à televisão para ver os primeiros homens na Lua. Neil Armstrong faz parte do meu "eu" e morreu hoje.


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Paganini-Liszt La Campanella

Tango dos Barbudos

"O Vaticano é um antro de misóginos"

Maria João Sande Lemos, hoje na Visão:
- O que falta à Igreja?
R: Amor. Enquanto Jesus significava amor, solidariedade e compaixão, a Igreja tornou-se seca, árida, quezilenta e sempre contra tudo. É um espaço de exclusão e não de abertura.

Tal e qual. Pelo menos. Além de excluir, persegue muitas vezes, o que ainda é pior.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Livros escolares



O novo ano escolar está aí à porta. Traz consigo novidades e alegrias para os jovens estudantes, mas também alguns problemas para os pais. A compra dos manuais escolares é sempre um momento difícil, ainda mais em tempos de dificuldades económicas agravadas, este ano alargadas a muitas famílias que não puderam dispor dos subsídios de férias que têm tido a função supletiva de financiar essa despesa familiar. Se para os pais desempregados a situação é genericamente desesperada, para muitos outros pais o mês de Setembro vai ser também muito difícil.
A questão dos manuais escolares tem em Portugal diversas vertentes que não têm sido devidamente equacionadas e muito menos resolvidas.
Começa pela evolução dos livros ao longo das últimas dezenas de anos. O seu tamanho, peso e claro, o seu custo, cresceram de uma forma inacreditável. Mesmo este ano, com taxas de crescimento do PIB bem negativas e em que todas as famílias perdem dinheiro, os editores conseguiram a proeza de aumentar o preço dos livros.
Não me vou alongar pela faceta pedagógica da organização dos conteúdos. Convido apenas os pais a tentarem perceber as mesmas matérias que estudaram no seu tempo. Se conseguirem organizar-se pelos esquemas, citações e distribuição das matérias importantes pelo meio do que é acessório, terão muita sorte. Fica-se com a ideia de que as crianças de hoje terão que ser muito mais inteligentes para obterem bons resultados, porque tudo parece programado para que o estudo seja mais um jogo do que trabalho sério, que obrigatoriamente terá sempre de incluir memorização. Por outro lado, o manual da matéria nunca é suficiente, vindo sempre acompanhado de outros livros de apoio que é necessário comprar, porque funcionam em conjunto com o manual principal.
Os livros escolares são hoje verdadeiramente um luxo e autêntico desperdício, pela quantidade de papel utilizado, pela profusão da utilização de gráficos e fotografias a cores desnecessários e até pela superfície de papel não utilizado.
Acresce que todos os anos mudam, pelo que não se consegue fugir à despesa, ainda que haja irmãos com pouca diferença de idades.
Com tudo isto, o negócio da edição de livros escolares tornou-se uma verdadeira mina de ouro. Claro que o ministério da Educação, com os seus inúmeros serviços centralizadores dominados por teorias pedagógicas falsamente modernas está na base de tudo isto, não se conseguindo fugir à ideia de que foi tomado por dentro pelos interesses das editoras.
Os pais começaram a tentar reagir ao cerco que lhes foi montado, estando a surgir “bancos de livros escolares” um pouco por todo o país. É assim que os jornais noticiaram há poucos dias que “o banco de livros escolares de Coimbra já ajudou 75 famílias”. Perante tudo o que se passa, não é possível deixar de saudar o esforço e vontade de ajudar o próximo em dificuldades. Mas permitam-me: nesta questão dos livros escolares isto não é solução e não se pode ficar por aqui.
O ministério da Educação tem o dever de arrepiar caminho e modificar a estrutura do manual escolar de alto a baixo, em função da aprendizagem, dos interesses dos alunos e economia familiar e não da maximização dos proveitos das editoras, que é o que se passa hoje, ou vamos todos concluir que quem foi eleito para mandar na Educação não quer ou não tem poder para mudar o estado de coisas. Aliás já vai tarde, porque neste ano escolar que agora começa deveriam ter sido dados sinais sérios nesse sentido, até pela emergência social da situação actual.
As escolas também têm responsabilidades nesta área. Em vez de serem os pais a organizar “bancos de livros escolares”, devem elas próprias organizar-se para que os livros utilizados num ano possam ser reutilizados no ano seguinte.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Agosto de 2012

Linda Ronstadt & Aaron Neville - Don't Know Much (live 1990)

PEUGEOT 203


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Banca, para que te queremos



Passaram agora cinco anos sobre o desastre do Banco Northern Rock. O Freddie Mac e o Fannie Mae foram intervencionados no mês seguinte, em Setembro de 2008, mês que viu igualmente a falência do Lehman Brothers. Vista à distância, causa espanto a absoluta incompreensão do que se passava debaixo da superfície calma da economia, por parte dos responsáveis de então, que em boa parte são ainda hoje os mesmos. A cegueira política, irresponsabilidade ou mesmo incompetência então manifestadas continuam a ser a imagem de marca desta União Europeia a que pertencemos. Nessa altura a U. E. celebrava com o célebre “porreiro, pá” a montanha de inutilidades do chamado Tratado de Lisboa, lembrando o baile do Titanic enquanto afundava. Ainda a semana passada o presidente do BCE Mário Draghi com o nosso bem conhecido Vítor Constâncio ao lado, voltou a usar a técnica do duche gelado depois do banho quente das promessas impossíveis de cumprir; deixou tudo na mesma ou pior, já que condicionou a compra de dívida portuguesa a ainda mais reduções generalizadas de salários, numa nova demonstração grotesca da solução Goldman Sachs para tudo.
A banca espanhola, ainda há pouco tempo apresentada como um caso de sucesso a nível mundial é agora uma dor de cabeça gigantesca. Pelo menos 20% já foi nacionalizada, com alguns exemplos de falta de qualidade de gestão e mesmo de abusos gritantes de utilização indevida de fundos por parte de muitos gestores. O chamado resgate à banca espanhola com fundos europeus está ainda em andamento, prevendo-se que o Estado venha a ficar com uma parcela da banca ainda maior nas suas mãos.
Em Portugal considera-se geralmente que o problema com a banca que se verifica em Espanha, largamente associado à chamada “bolha imobiliária” não tem uma relevância tão grande. Mas as notícias não são animadoras, com reflexos na economia pela falta de financiamento. Nos últimos dias soube-se de alguns projectos gigantescos que foram por água abaixo. Curiosamente, ambos eram considerados PIN, valiam mais de mil milhões de euros cada um e corriam com apoio massivo do Estado: a RPP Solar e o Parque Alqueva. Em ambos os casos os promotores desistiram quando lhes foram pedidos documentos de responsabilidade essenciais ou garantias pessoais, como acontece quando qualquer pessoa vai ao banco pedir dinheiro para investir. Isto é, a banca, neste caso a Caixa Geral de Depósitos, mudou de agulha e resolveu acabar com o amiguismo à custa de todos nós e tratou os projectos privados como devem ser tratados: ou têm viabilidade por si ou não há dinheiro. Tivesse a banca trabalhado assim ao longo dos últimos anos e não estaríamos certamente como estamos em termos de economia.
Assim, temos o Estado a resgatar também os nossos maiores bancos, usando parte do financiamento acordado com a Troika para o efeito. Entre nós o Estado não está a entrar directamente no capital dos bancos, mas a utilizar a figura dos “CoCos” que são obrigações subordinadas convertíveis em capital, caso o banco entre em incumprimento no respectivo pagamento. Só o BPI receberá um financiamento deste tipo no montante de pelo menos 1,3 mil milhões de euros, podendo o valor ser ainda superior. Já o Millennium BCP recebe pelo menos 3 mil milhões de euros em CoCos. Resta dizer que os bancos vão ter que pagar estes montantes em cinco anos, com uma taxa de juro que evolui de 8,5% no primeiro ano até mais de 10% no último ano.
Isto é, se os bancos fecharam a torneira ao financiamento da economia, no que aliás são elogiados pelo próprio Governador do Banco de Portugal, preocupado com a solvabilidade da banca e deixando as outras preocupações para o ministro da Economia, ainda vão ter de arranjar maneira de cumprir o contratado. Deixo as conclusões para o leitor, bem como a adivinha sobre o que acontecerá aos bancos nesta situação dentro de cinco anos. Mas uma coisa é certa: com aquelas taxas de juro, daquele dinheiro não vai passar nem um cêntimo para as empresas ou para as famílias.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Agosto de 2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

“O que interessa é Portugal”



Sá Carneiro foi um político que viveu pouco mas muito depressa. Enfrentou muitas críticas, ataques e mesmo traições; fora e dentro do seu partido. Acreditava no que fazia e assumia por inteiro as consequências dos seus actos quer na vida privada, quer na vida pública. Hoje em dia, é referido a propósito de tudo e mais alguma coisa, mesmo por muitos que durante a sua vida estiveram contra ele, do que nem vem grande mal ao mundo, já que todos devemos aprender com os erros.
Sá Carneiro foi muitas vezes atacado no partido por ter razão antes do tempo, por não se vergar ao peso ideológico dos militares do MFA e por falta de compreensão dos seus objectivos estratégicos que, para ele, eram os do país devendo o partido fazer parte da solução e não do problema. Muitas vezes os companheiros o acusaram de ter um programa “liberal” e não verdadeiramente social democrata, quando ele sabia bem que, para distribuir, é preciso produzir primeiro: sem se produzir, não há distribuição nenhuma, seja com justiça, seja sem ela. Por tudo isso, Sá Carneiro dizia sempre que primeiro Portugal, depois a Democracia e só depois o PSD.
Esclareço desde já que, sendo social-democrata há muitos anos, nunca fui sá-carneirista, nem cavaquista e nem serei certamente passista se tal classificação vier a existir. Prezo demasiado a independência e a liberdade de pensar pela própria cabeça, consciente dos males do seguidismo acéfalo e de que ninguém é perfeito, muito menos na governação de um país, devendo a crítica justa e oportuna ser sempre feita.
Nas últimas semanas li e ouvi com espanto algumas críticas ao actual primeiro-ministro que me fizeram recordar o que acima escrevi. De facto, numa reunião partidária Passos Coelho afirmou: “Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”.
Escândalo à esquerda e à direita. Para uns, o primeiro-ministro não quer saber do julgamento popular, mandando a democracia às urtigas. Para outros, afinal também ele acha que para se governar como deve ser, será necessário suspender a democracia por uns tempos. Claro que todos transcrevem só a primeira parte do que foi dito, “esquecendo” a referência a Portugal, que explica claramente a primeira parte da frase.
Quando Passos Coelho avisa o partido olhos nos olhos de que vai fazer o que é necessário para recuperar o país, mesmo que com isso venha a perder as eleições, aqui d’el rei que não é democrata. Como se democracia fosse governar permanentemente para sondagens, ainda que à custa da hipoteca de um país inteiro. Como se não nos lembrássemos todos do que foram os últimos seis anos de governação até se acabar por chamar a Troika quando já não havia dinheiro para pagar o ordenado do mês seguinte aos funcionários públicos. Como se a Troika não tivesse sido chamada pelo governo socialista que aqui nos trouxe. Como se o acordo para três anos e não quatro não tivesse sido negociado por esse governo. Como se ainda há um ano não andássemos todos a discutir as vantagens do TGV, do novo aeroporto de Lisboa e da terceira auto-estrada paralela à costa. Como se as PPP ainda não fossem então a grande solução para o desenvolvimento e não tivessem sido renegociadas passando para o Estado todo o risco, ficando os concessionários privados com as rendas brutais garantidas. Como se então não nos continuássemos a afundar com as eólicas a preço de ouro. Como se nas eleições de 2009, mergulhados no fundo da crise, não tivesse havido aquele aumento aos funcionários públicos. Como se não soubéssemos todos de ciência feita, o resultado de governar a fugir para a frente e a prometer sempre mais e mais para permanecer em cima nas sondagens, enfiando o país no buraco profundo em que nos encontramos e de que tentamos sair, mas a que custo!
Se um primeiro-ministro assume hoje de novo a posição corajosa e patriótica de dizer aos militantes do seu partido que em primeiro lugar está o país e não está disponível para facilitismos eleitoralistas ainda que venha a perder as eleições, tenhamos ao menos a honestidade de assumir a discordância de opções, mas não de fazer política a enganar mais uma vez os portugueses, desta vez com jogos de palavras. O momento é demasiado grave para muitos portugueses que sofrem, para que o puro cabotinismo de políticos e comentadores venha distorcer a realidade que já por si é suficientemente acabrunhante.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Agosto de 2012

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Política por profissionais?



A crescente “profissionalização” da política tem trazido alguns aspectos ao regime democrático que merecem ser conhecidos e discutidos por toda a população, mesmo aquela que não milita nos partidos políticos. Até para melhor se compreender boa parte dos métodos de decisão política aos mais diversos níveis.
Os partidos políticos evoluíram nos últimos anos para máquinas de ganhar eleições, ultrapassando a ideia original e algo romântica de associações de cidadãos livres que se juntam de forma generosa para fazer prevalecer uma determinada maneira de construir o futuro de um país. Depois do período inicial da Democracia, muitos daqueles que a certa altura começaram a chegar aos cargos partidários de topo fizeram-no pela subida nos escalões organizativos dos partidos, geralmente desde as juventudes partidárias. São os chamados políticos profissionais que, na realidade, nunca viveram fora da política e nunca se afirmaram social e profissionalmente de outra forma. Têm características próprias, desenvolveram mesmo algumas capacidades especiais, umas boas e outras não tanto, mas é frequente mostrarem algum complexo perante quem não seguiu esse caminho e fez uma vida digamos, mais vulgar, designadamente no percurso académico. Complexos esses muito visíveis nos últimos anos, os quais não fazem aliás qualquer sentido e só são compreensíveis num meio tacanho como o nosso que ainda privilegia a doutorice, ao contrário de muitas sociedade mais desenvolvidas. O que é certo é que os políticos profissionais são mais eficazes em termos de execução de políticas e reformas no imediato, mas a ligação destas à realidade falha muitas vezes o que as coloca mesmo em causa a médio e longo prazo.
Lá para o Outono do próximo ano haverá eleições autárquicas. É pois natural que os partidos se afadiguem em encontrar as soluções que melhores resultados lhes trarão nessas eleições. Seria normal pensar-se que os responsáveis políticos concelhios se colocassem em campo para encontrar quem, na sua área política, tenha capacidade para gerir e desenvolver estratégias de mudança e de futuro para os seus municípios.
O leitor sente que algo disto se passa? Penso que muito dificilmente. O que vai correndo do interior dos partidos para a comunicação social são sondagens ao eleitorado em que lhes são propostas listas de nomes para detectar quem será mais capaz de colher as simpatias do eleitorado para ganhar as eleições. De fora ficam todas as considerações sobre que futuro se quer, sobre capacidade de liderar equipas, sobre capacidade de elaborar programas e realizá-los, sobre a capacidade de dizer não às máquinas partidárias quando for preciso. O que interessa verdadeiramente é encontrar um nome que seja simpático ao eleitorado, seja por que motivo for. O resto não interessa por ser tido como fantasia de quem não anda pela realidade. Por alguma razão os partidos preferem fazer isto a organizar verdadeiras “primárias” onde os mais capazes e independentes poderiam sobressair perante as máquinas partidárias.
Na verdade, quanto mais profissional, menos política é a política. Na década de setenta do século passado, os portugueses foram inundados de política até à náusea. Talvez por isso uma tecnocracia disfarçada de política foi tomando lugar em grande parte do aparelho do Estado, abrindo portas a uma tomada do mesmo por parte dos mais variados e desenfreados interesses. As consequências deste tipo de acção partidária “profissionalizada” e desideologizada têm-se visto pelos seus frutos pelo país fora, não necessitando de qualquer demonstração, sendo muitas vezes os próprios partidos os primeiros a arrepender-se das escolhas assim feitas.
Os partidos são essenciais à Democracia. Mas também podem ser o seu coveiro. A política deve ser uma actividade nobre e sobrepor-se aos interesses económicos financeiros e outros que têm o seu lugar, mas para isso tem que ser exercida por quem é verdadeiramente político, isto é, quem sabe em cada momento onde está o bem comum e cuida dele, custe o que custar.

domingo, 29 de julho de 2012

O fundamental

Sá Carneiro: Primeiro Portugal, depois a democracia, só depois o Partido.
Passos Coelho: Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal.
Credo, que escândalo!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Banca: acima de tudo o resto?

Agora foi a vez do HSBC. Para quem não se lembre, este é o maior banco europeu, operando em mais de oitenta países por todo o mundo; a sua divisão americana está entre os dez maiores bancos americanos. E foi mesmo a polícia americana que descobriu as actividades fraudulentas permitidas pelo HSBC. Durante cerca de oito anos, o banco permitiu que pelas suas contas em todo o mundo circulassem milhares de milhões de dólares provenientes do tráfico de droga dos piores cartéis mexicanos, numa operação gigantesca de lavagem de dinheiro. Para além disso, apoiou financeiramente operações proibidas com o Irão. Um mimo de actuação bancária global, portanto. Tudo isto apesar da “Declaração de Valores e de Princípios de Negócio” patentes no próprio site do Banco. Claro que os responsáveis máximos já pediram todas as desculpas e garantiram que esta situação não se repetirá, tendo já sido afastados alguns dos responsáveis directos pelo sucedido, embora ninguém acredite que a própria administração andasse tão distraída que não notasse nada durante tantos anos. Este caso do HSBC seguiu-se ao escândalo LIBOR do Barclays Bank, um banco com mais de 300 anos que cedeu à tentação de manipular as taxas de referência mais importantes. A LIBOR define todos os dias as taxas que os principais bancos da City usam nos seus negócios financeiros por todo o mundo, que por sua vez servem de referência em muitas outras áreas da economia, mexendo com valores absolutamente astronómicos. A manipulação duraria já há uns seis anos, sem que tal tivesse sido detectado, em boa parte porque na City se acredita que os grandes bancos são geridos por cavalheiros que estão imunes a fraudes, confiando-se na sua auto-regulação. Está-se a ver no que deu, não estando ninguém livre de mais uma crise financeira global causada pela falta de confiança na LIBOR. Esta crise vai adicionar-se àquela bem conhecida de nós todos que foi espoletada pelo sub-prime americano que teve origem exactamente em operações bancárias erradamente alavancadas, sem sustentação real, que se espalhou a todo o mundo ocidental. Nessa altura a Reserva Federal Americana injectou valores inimagináveis na banca americana, tendo apenas deixado ir o Lehman Brothers à falência Mas isso foram os americanos que não tiveram problemas em colocar as rotativas a fazer moeda. Cá pela Europa continuamos na triste saga das relações entre BCE e os bancos que, pelo seu lado, são estrangulados pelas novas regras espartanas de solvabilidade, sugando o dinheiro para o seu interior para se salvarem, deixando a restante economia a secar sem financiamento. O famoso e influente JPMorgan Chase também mostrou não estar imune a tentativas de ganhos ilícitos, tendo deixado que no seu interior se desenvolvessem actividades baseadas em derivados falseados. O valor das imparidades detectadas já este ano continua a crescer, falando-se em perdas acima dos 5 mil milhões de dólares. Olhando cá para Portugal, tivemos dois casos graves recentes com bancos: o BPN e o BPP. Este era demasiado pequeno e reservado a determinada clientela, pelo que as consequências do sucedido foram facilmente controladas. Já com o BPN, todos percebemos que os nossos impostos vão servir para pagar o que não deviam. O anterior ministro das Finanças justificou a certa altura a intervenção do Estado com o perigo sistémico da falência do BPN; perante o que se vai vendo, hoje tendo a dar-lhe razão, com a nuance de que o tal perigo sistémico se referia mais ao sistema político do que ao sistema financeiro. O que é que liga todos estes casos? Falhas clamorosas da regulação da actividade bancária, por todo o lado. A actividade bancária mudou imenso com a globalização e com a internet que possibilitou trocas financeiras de qualquer valor entre todos os pontos do mundo, de forma instantânea. A actividade económica, de que a banca era apenas um financiador tornou-se ela toda muito mais financeira, sendo o dinheiro já não o meio que permite comprar ou vender produtos, mas também ele próprio um produto. Na City de Londres, que é o maior mercado financeiro do mundo, confiou-se até agora nos bancos e nos banqueiros, mas isso vai mudar rapidamente, após este caso do Barklays. Em Portugal, o BPN permitiu-se andar a fazer o que fazia durante anos, embora toda a gente soubesse disso, porque também o Banco de Portugal confiava nos elementos que lhe eram entregues: pelos vistos nem seria educado desconfiar de um banqueiro. Espera-se que os responsáveis políticos que deverão reformar também esta regulação, tenham a capacidade técnica, coragem e independência para o fazer, ou o futuro da economia será ainda mais negro do que já é hoje.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Julho de 2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Partículas de Deus


Há cerca de quinze dias uma notícia invadiu os meios de comunicação social, baralhando as pessoas pela sua linguagem algo esotérica e surpreendendo muitas outras pelo significado da descoberta que anunciava.
O que deu origem à notícia foi um simples comunicado emitido em 4 de Julho de 2012 pelos responsáveis do CERN que dizia o seguinte: “obervamos nos nossos dados sinais claros de uma nova partícula no nível 5 sigma, na região de massa 126 GeV”.
Já as notícias que nos chegavam por todos os meios informavam que tinha sido descoberta a partícula da Deus. Nem mais!
Como leigo na matéria, mas não gostando de andar por aí às cegas, cedo percebi a importância da descoberta que justifica os milhões gastos no gigantesco LHC (Grande Colisionador de Hadrões), o maior e com mais energia acelerador de partículas do mundo, construído na zona fronteiriça entre a França e a Suíça, onde trabalham mais de 3.000 pessoas.
A chamada “partícula de Deus” é tão de Deus como todas as outras partículas, até porque só por si não explica a própria criação. É o chamado bosão de Higgs, assim designado pelos cientistas porque a sua existência foi prevista pelo físico teórico Peter Higgs há mais de 50 anos. A formalização da necessidade da sua existência decorre do Modelo Padrão de partículas que estaria errado se o bosão de Higgs não existisse, já que seria precisamente essa partícula que daria coerência ao Modelo, “entregando” matéria às outras partículas. Esta era a única das 61 partículas elementares do Modelo Padrão ainda por encontrar experimentalmente.
É a teoria do Big Bang que ganha credibilidade, já que, logo após se ter verificado, algo “agarrou” parte da energia, atrasando a sua libertação e permitindo assim a sua transformação em matéria que, pela sua futura organização viria a dar origem às estrelas, aos planetas e a tudo que nos rodeia hoje, incluindo a vida. Esse “algo” é o campo de Higgs, formado pelos bosões com o mesmo nome.
Torna-se assim evidente o extremo interesse da descoberta. Claro que o comunicado do CERN, na sua estranha linguagem não confirma a descoberta em absoluto, querendo o “nível 5 sigma” dizer apenas que a probabilidade de o bosão de Higgs ter sido detectado é de cerca de 99,9999% e a “região de massa 126 GeV” que a sua massa modelo padrão é de 126 mil milhões de electrões-volt, dentro da gama de valores esperados. Na prática, foi mesmo encontrado.
Esta descoberta permite que a ciência, em particular a física, continue no caminho que tem vindo a trilhar de melhor conhecimento do universo, desde o infinitamente grande ao infinitamente pequeno, já que “as peças” se vão todas encaixando umas nas outras de forma coerente, mesmo quando a teoria tem que esperar dezenas de anos pela sua comprovação experimental. Mostra ainda como a cooperação internacional pode ser bem sucedida quando levada a sério, ainda que fora das grandes parangonas dos jornais que frequentemente, mais não fazem que desvirtuar o significado profundo da actividade humana, ao inventarem cabeçalhos espectaculares como “foi descoberta a partícula de Deus”.
Mas não se pense que a investigação da Física termina aqui. O que falta conhecer é muito mais do que aquilo que hoje se conhece, o que aliás torna a designação “partícula de Deus” apenas ridícula. Segundo alguns, a matéria que corresponde ao “modelo padrão” agora completado será apenas 4% de todo o Universo. Cerca de 75% correspondem ao que ainda hoje se designa por “energia negra” e quase 22% restantes correspondem a algo que apenas a gravidade poderá ajudar a detectar, mas que tem força suficiente para parar a rotação de galáxias inteiras.
O que foi anunciado a 4 de Julho de 2012 terá, no entanto, um lugar muito mais importante na História da Humanidade do que tudo o que aparece hoje nos nossos jornais e nas televisões do mundo inteiro, disso o leitor pode ter a certeza.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Julho de 2012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mudar o mundo



Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Peço que me perdoem o atrevimento de começar a minha singela crónica desta semana citando o nosso maior poeta, mas às vezes sabe bem voltar à simplicidade do génio.
Há poucos dias, um amigo cá da nossa Cidade que não tem nada a provar na vida quer pessoal, quer profissionalmente porque transformou uma pequena empresa de Coimbra num conglomerado que actua em vários países da Europa, na Ásia e na América dizia-me, a propósito destas minha pequenas e despretensiosas crónicas semanais, que eu não desistia de querer mudar o mundo. Agradeci a amizade mas neguei qualquer propósito meu nesse sentido. No entanto, aquela frase fez-me pensar. O leitor não sabe, mas esta é a minha crónica semanal nº 347 publicada no Diário de Coimbra. Em 347 semanas vivemos 58.246 horas isto é, 3.497.760 minutos. Não é inocentemente que refiro o nº de minutos e não o nº de anos decorridos. É que se vivemos de facto, sem meramente deixar passar o tempo, vivemos aquele número gigantesco de minutos e todos sabemos como às vezes um simples minuto demora a passar. Tempo suficiente para ver partir pessoas queridas que em nós deixam feridas que nunca sararão, tempo para ver filhos voar para as suas vidas próprias, tempo para ver netos a encher-nos o coração, tempo para ver aquelas linhas do monitor ao lado da cama do hospital a ficarem horizontais e ter a graça de acordar com vontade de viver plenamente e agarrar de novo o futuro nas mãos, custe o que custar.
Fui reler a minha primeira crónica desta série e lá encontrei alguma ingenuidade, mas também as linhas fundamentais do que tenho escrito desde então: nunca atacar ninguém em concreto, criticar situações e propor soluções. Também lá citei alguém que nos ensina que não devemos ser optimistas nem pessimistas e sim optimizadores: isto não é um mero jogo de palavras e sim todo um programa de acção e corresponde àquilo que tenho tentado fazer.
De novo digo: não tento mudar o mundo, embora às vezes apeteça. Quem muda o mundo, para além das guerras e revoluções que se sabe como começam mas não como acabam, são os artistas, os cientistas e todos os anónimos que deixam o mundo um pouco melhor do que o encontraram. Como pessoa comum, tento apenas dar o meu melhor, participar em reformas necessárias e ser cidadão a tempo inteiro, tentando perceber o mundo e lembrando-me de Álvaro de Campos quando escrevia que “o Teorema do Binómio é tão belo como a Vénus de Milo, o que há pouca gente para dar por isso”.
Esta foi uma crónica diferente do habitual. Mas como costumo afirmar que aquilo que deixamos por dizer não existe, tenho que agradecer ao Amigo que, com um simples e simpático comentário, me levou esta semana por territórios que, sem ele, teriam o destino de não existir.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Julho de 2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

COIMBRA, CIDADE COM FUTURO


Foi publicado há poucos dias o resultado de mais um inquérito sobre as cidades com maior qualidade de vida. Claro que este tipo de inquéritos, feitos através de perguntas a um reduzido número de moradores de cada uma delas tem um valor estatístico reduzido, até pela complexidade de análise dos 11 critérios utilizados, verificando-se pequena variação para o inquérito realizado pela mesma associação há cinco anos. É provável que o crónico espírito crítico dos conimbricenses relativamente à sua cidade se reflicta também nestes resultados, ao contrário de outras cidades em que os seus moradores são genericamente benevolentes relativamente às suas falhas. Curiosamente, em inquéritos do mesmo tipo levados a cabo por outros promotores, por exemplo o jornal Expresso, as cidades que no inquérito da DECO aparecem no final, são nesse caso as primeiras da lista, casos de Lisboa e Porto. E alguma razão haverá para isso, tendo em conta a fuga de populações do interior para essas metrópoles, valorizando as pessoas na prática, a maior possibilidade de ter emprego relativamente a poderem dormir de janelas abertas. Já a nossa cidade, Coimbra, mantém-se sensivelmente na mesma classificação relativamente há cinco anos, semelhante aliás, à anterior classificação do Expresso, isto é, sempre no terço superior do conjunto.
As muitas vantagens comparativas de Coimbra são históricas e bem conhecidas, não sendo necessário sequer referir as que advêm da localização central no país e boas ligações ao litoral e a Norte e a Sul, o que não se verifica, infelizmente em relação ao interior. As áreas da saúde e do ensino superior são, desde há muito, aquelas que colocam Coimbra na frente de todos os rankings. Outras há em que a potencialidade é enorme, mas exigem capacidade de iniciativa e de conjugação de esforços da parte dos decisores públicos na Cidade, para que passem a ser realidade concreta.
A indústria tradicional de Coimbra foi-se há muito, estando agora a ser substituída por novas actividades de ponta, da área da tenologia intimamente ligada à investigação científica; a mão de obra barata dos operários é agora substituída pelos programadores e investigadores, com grandes repercussões sociais e económicas. Mesmo a área industrial de fabrico de medicamentos é paulatinamente substituída pela produção de processos de fabrico, vendidos com grande valor acrescentado em todas as partes do mundo.
O património histórico de Coimbra é riquíssimo e conhecido por todo o mundo. A classificação da Unesco será uma alavanca poderosíssima na atracção de turismo. O turismo é precisamente uma das áreas económicas que deverá ser trabalhada a sério por Coimbra e apoiada publicamente, havendo pelo menos duas vertentes a decidir de imediato: colocar toda gente a trabalhar para o mesmo lado, acabando com divisões artificiais e estabelecer uma ligação forte com a cultura. O turismo cultural é hoje uma actividade económica de grande valor a nível europeu, mas não se compadece com amadorismos nem boas intenções. Tem que ser olhado como isso mesmo: actividade económica com tudo o que lhe é inerente, desde o levantamento de oportunidades e estudo exaustivo da procura internacional com definição do público-alvo, estabelecimento de planos de negócios, escolha de oferta e montagem do produto, até ao necessário financiamento. Mas não se pense que esta revolução no turismo de Coimbra se poderá fazer através de serviços públicos, camarários ou outros, que têm um orçamento anual para gastar e se esquecem de facturar. Deverão ser apoiados outros actores, privados ou associativos, com provas dadas na gestão, que sejam capazes de casar cultura com turismo, já que hoje em dia praticamente ninguém viaja apenas para ver pedras, por mais bonitas e antigas que elas sejam.
Com muita facilidade Coimbra poderá passar a um patamar superior nesta área, com grandes vantagens para todos os agentes económicos envolvidos e consequente subida nos rankings de cidades. Relembro, por exemplo, o que já aqui escrevi várias vezes: a ligação histórica de Coimbra com a História de toda a 1ª Dinastia, desde o estabelecimento da primeira capital do Reino até às cortes de Coimbra que escolheram D. João I, passando pelos amores trágicos de Inês e Pedro, é um “euromilhões” que aguarda apenas quem jogue nele. Assim haja vontade e capacidade para ultrapassar atavismos e hábitos bolorentos que tantas vezes impendem Coimbra de ser ainda melhor.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Julho de 2012 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Concerto de Mozart - Fagote, KV191. 1° Mov.

PODER E AUTORIDADE


Portugal encontra-se hoje numa daquelas situações atípicas que nunca deveriam suceder, mas a que somos periodicamente sujeitos, normalmente devido a disparates financeiros cometidos por governantes que não pesam os seus desejos com as capacidades do país. E, como a História o demonstra, estas situações trazem normalmente grandes perigos no seu interior.
Em tempos de crise grave como a que atravessamos, só se encontram verdadeiras saídas em democracia, se o poder constituído aos diversos níveis da governação do país detiver autoridade que seja reconhecida pela maioria dos cidadãos.
Há cem anos, Max Weber definiu poder como a possibilidade de alguém obrigar outro a cumprir a sua própria vontade, mesmo que com resistência, enquanto a autoridade será a habilidade de levar as pessoas a fazerem de livre vontade a sua própria vontade, apenas pela sua influência pessoal.
O conceito de autoridade vem dos tempos da República Romana, a chamada “auctoritas” que de certa forma media o prestígio e a influência dos senadores romanos, junto dos seus concidadãos. Essa autoridade era conquistada de diversas formas, incluindo os feitos militares ou a maneira como essas pessoas tinham servido a República em posições proeminentes. Para existir, essa autoridade tinha que ser reconhecida pelos outros.
Entre nós é comum queixarmo-nos de “falta de autoridade”, ao mesmo tempo que se nota um profundo desrespeito pelos responsáveis políticos em geral que, na minha opinião, tem razões muito mais profundas do que a crise que atravessamos:
Quando antigos responsáveis políticos de grande projecção são encontrados em situações ilegais e a Justiça demora eternidades a aplicar o devido castigo; quando os partidos mantêm em cargos de responsabilidade pessoas que perderam o respeito dos cidadãos ficando em consequência sem autoridade; quando os partidos escolhem para listas pessoas por critérios obscuros, deixando de lado outras com provas mais que dadas; quando para cargos de gestão de responsabilidade o critério é o amiguismo em vez do currículo pessoal; quando numa altura em que toda a gente é chamada a sacrifícios pesadíssimos, entidades do Estado mantêm todas as prerrogativas e mesmo privilégios e benefícios financeiros insuportáveis; quando entre as funções de Estado e as grandes empresas há um corredor aberto em permanência entre aquele e estas, é a autoridade de todo um Estado que se esboroa, sem apelo nem agravo.
Todos conhecemos exemplos de pessoas que, sem deterem qualquer poder político ou material demonstraram uma grande capacidade de mudar as circunstâncias em que surgiram. A sua capacidade de liderança e exemplo atribuíram-lhes uma autoridade reconhecida pelos outros, a tal “auctoritas” dos romanos.
Estas são pessoas raras. Infelizmente, muito mais frequentes são aquelas que de uma forma ou doutra, muitas vezes sem saber bem como, adquiriram algum poder sem possuírem qualquer autoridade. E usam esse poder para impor as suas vontades ou os seus gostos e mesmo para se vingarem de quem não gostam, por esta ou aquela razão, mas normalmente por simples inveja, aquela última palavra que Camões usou para fechar os Lusíadas.
Na realidade, abuso de poder pode ser cometido por acção, tal como está fixado na Lei, mas também por inacção ou mesmo impedimento de acção. Mas demonstra sempre falta de autoridade, quando não falta de princípios. E destruir o que os outros fazem ou fizeram é sempre muito fácil quando se tem algum poder público e não se percebe que esse poder vem do povo, pelo que se está ministro ou seja o que for e não se é esse mesmo cargo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Junho de 2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

ASPECTOS DE GUERRA


Se a internet, as comunicações e a localização geográfica por satélites entraram na vida do cidadão comum para a alterar por completo, a influência que têm hoje noutros aspectos da comunidade internacional é cada dia mais avassaladora e aumenta a cada dia que passa.
Para além dos nossos desejos, a guerra é uma das constantes da História do Homem. Ainda que em determinado momento não seja possível apontar um local da Terra em que esteja a decorrer um conflito armado declarado, mesmo assim a organização de Forças Armadas é uma constante, tal como o é o desenvolvimento contínuo de novas armas e novas formas de combater um inimigo.
As novas tecnologias trouxeram duas novas armas que estão já a mudar a maneira de fazer a guerra: os drones e a ciberguerra.
Os drones não são mais do que veículos aéreos tele-comandados, isto é, sem tripulantes a bordo. Claro que são apenas detidos pelos países mais desenvolvidos tecnologicamente, mas a sua utilização tem sido cada vez mais intensa em determinados teatros de operações, como sejam o Afeganistão, o Paquistão e o Yemen, além de outros mais próximos de nós mas com maior grau de secretismo. Possuem sensores ultrassofisticados que varrem o terreno de forma contínua e silenciosa, permitindo aos respectivos controladores verificar o que se passa, detectar alvos inimigos e eliminá-los, enquanto estão sentadosem total segurança a mover um joystick em frente de monitores a milhares de quilómetros de distância. Tudo isto sem colocar em risco a vida de pilotos e restantes tripulantes de aviões clássicos e usando equipamento muitíssimo mais barato.
Já a ciberguerra faz-se sem a utilização de qualquer arma clássica, mas o seu papel e importância têm sido crescentes. Nas últimas semanas os jornais deram nota da descoberta de um novo vírus informático chamado Flame, tendo sido notória a falta de informação credível sobre o assunto. As últimas notícias davam conta de que alguém tinha dado ordem ao vírus para se autodestruir não deixando qualquer rasto nos sistemas informáticos infectados. Entretanto, os especialistas russos que o detectaram lá foram dizendo que se tratava de um vírus muito mais poderoso e complexo do que qualquer outro anteriormente conhecido e que estaria instalado em países do Médio Oriente, prestando informações sobre todo o conteúdo dos computadores atacados. Logo a comunidade informática se lembrou de outro vírus aparecido há dois anos chamado Stuxnet, que invadiu as fábricas de purificação de urânio do Irão, tendo destruído milhares de centrifugadoras. Pelos vistos os códigos de programação dos dois vírus têm aspectos comuns que provam que houve, pelo menos, contacto entre os respectivos programadores. O Flame é extremamente complexo e sofisticado, podendo ser considerado uma arma cibernética concebida especificamente para ciber-espionagem e só pode ter sido desenvolvido por uma equipa de programadores a trabalhar durante meses e nunca por uma única pessoa. Isto é, trata-se de uma arma desenvolvida por algum país ou mesmo através de colaboração de países, com alvos hostis comuns.
Já neste mês de Maio, o Secretário da Defesa americano Leon Panetta aprovou uma nova rede organizacional que deverá ser o primeiro passo para a estandartização de ciber-operações militares. A nova organização define Ciber Centros Conjuntos e um Ciber Comando (CYBERCOM). Os objectivos desta nova super estrutura militar americana são simultaneamente defensivos e ofensivos, pelo que no futuro terá uma importância capital nas forças armadas americanas.
Chegados a este ponto, o leitor não pense que pode ficar descansado por esta guerra cibernética se passar longe, estando portanto livre de ser afectado por ela. Na realidade, todo e qualquer computador ligado à internet é um possível alvo de utilização indevida por desconhecidos. Para além dos hackers que permanentemente vasculham a net à procura dos dados bancários dos incautos e dos motores de busca e redes sociais que fornecem os dados dos utentes com intuitos comerciais, certamente não por acaso, a Google anunciou a semana passada que avisará os utentes do seu Gmail que sejam alvos de ataques de vigilância por parte de Estados. Pelos vistos, jornalistas, trabalhadores de ONG’s, estudantes, académicos e outros em vários países, já receberam avisos desses.
Como se costuma dizer, pode-se não acreditar em bruxas, mas que as há, há, pelo que todo o cuidado com a internet é pouco.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Junho de 2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012

EUROPA: PARA ONDE?



Com os sacrifícios generalizados que agora começam a ser mais evidentes em alturas de pagamentos de IRS, de férias sem subsídios e de níveis de desemprego nunca vistos, Portugal lá vai prosseguindo na tarefa difícil de tentar recuperar a credibilidade internacional para se poder financiar por si próprio.
Entretanto, a nossa comunicação social parece ter entrado em pura esquizofrenia, abandonando a realidade e saltando alvoroçadamente da Ongoing para a Impresa, do Freeport para o FaceOculta, das agências de rating para o bispo incendiário das Forças Armadas, do vaticanleaks para o Euro 2012, das Secretas que temos para o Público e por aí fora.
Bem pode o Tribunal de Contas vir agora dizer que o SNS aumentou a dívida em 117% entre 2008 e 2010 com a simpática ministra Ana Jorge, que isso não interessa para nada, nem sequer que esse aumento fosse apenas devido a contratos e parcerias e não a melhoria dos serviços prestados. Bem pode o Tribunal de Contas aprovar relatórios, por unanimidade, sobre as parcerias publico privadas rodoviárias denunciando que lhe foram escondidas despesas de 700 milhões de euros, que isso não interessa para nada, face à “notícia” do “aparecimento” de relatórios inexistentes de um juiz desconhecido em cacifos de deputados da Assembleia da República, imagine-se. Bem pode “descobrir-se” que Portugal comprou créditos de CO2 por dezenas de milhões de euros, que não fazem falta nenhuma, que isso não é notícia.
Que todos os sacrifícios que os portugueses fazem tenham já como resultado que, segundo o INE, a Procura Interna esteja pela primeira vez há dezenas de anos a praticamente coincidir com o PIBpm, numa evolução drástica desde meados de 2011 com tudo o que isso significa em termos de base para a nossa recuperação económica, também não é notícia.
Mas, pior que tudo, também não é notícia o que se passa na União Europeia a que pertencemos. Quem ler a nossa imprensa pensará que tudo se resumirá a uma questão: os que querem o bem do povo defendem o crescimento e os que querem o seu mal, defendem a austeridade. A esta simplicidade se resume, entre nós, a discussão sobre o futuro da Europa.
Isto quando, de facto, o tempo se esgota para a Europa tomar decisões cruciais. O mapa da cise europeia parece o dos fogos de verão que alastram por todo o sul, desde a Grécia à Península Ibérica. Ou a Europa do Euro se afunda, o que sucederá se não se fizer nada, isto é, se se continuar a tentar resolver os problemas dos países um a um, ou muda de caminho com decisão. Não nos venham convencer com mais “compromissos para crescimento e emprego” e mentiras semelhantes ao célebre “compromisso de Lisboa”. Não chega fornecer dinheiro aos bancos a boas condições como o BCE fez de forma maciça em Dezembro e Fevereiro, apenas aliviando os sintomas do mal de forma temporária. Não basta pedir eurobonds, é preciso avançar com determinação pela integração orçamental e fiscal mínimas que sustentem uma resposta europeia, que incluirá naturalmente as obrigações de dívida comuns. O atraso nessa resposta está a fazer subir os custos da solução a níveis que um dia destes serão absolutamente incomportáveis. A Directora do FMI Christine Lagarde já propõe que se fechem os políticos numa sala até que concordem num plano, recordando o que J.P. Morgan fez com os colegas banqueiros em 1907, até acertarem todos numa solução.
O medo generalizado e justificado de um “super-estado” tem tolhido os responsáveis políticos europeus, impedindo-os de avançar um pouco que seja no caminho da federalização mínima necessária, continuando-se a meio do caminho da criação do euro, erro original que está na base de tudo o que se passa.
Mas chegou-se a um ponto em que ou se avança na federalização, com perda voluntária de mais soberania, inclusive por parte da Alemanha, ou se assistirá em breve ao desmantelamento do euro, que ninguém imagine que possa ocorrer de forma coordenada e pacífica. Residirá, porventura, no medo de partilha de soberania por parte da Alemanha, a razão de ser da falta de apoio de Merkel ao caminho da federalização, ainda que mitigada, como deverá ser. Sucede que os povos do sul começam a sentir esse medo doutra maneira, isto é, como vontade imperialista de impor regras, o que, atendendo à História dos últimos cem anos até compreende facilmente. E isso poderá impedir definitivamente uma solução justa e duradoura.
A Europa está na encruzilhada e tem de optar. Urgentemente.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Junho de 2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Lá tenho de falar da "Selecção "de todos nós"

Um diário espanhol quis perceber quanto é que as várias selecções em competição vão gastar com o alojamento, e o resultado foi este, sem mais comentários.



Selecção e custo de hotel, por dia:

1. Portugal – Opalenica 33.174 euros
2. Rússia – Varsovia 30.400 euros
3. Polónia – Varsovia 24.000 euros
4. Irlanda – Sopot 23.000 euros
5. Alemanha – Gdansk 22.500 euros
6. Rep. Checa – Wroclaw 22.200 euros
7. Inglaterra – Cracóvia 19.000 euros
8. Holanda – Cracovia 16.200 euros
9. Italia – Wieliczka 10.500 euros
10. Croácia – Warka 8.300 euros
11. Dinamarca – Kolobrzeg 7.700 euros
12. Espanha – Gniewino 4.700 euros

Em homenagem aos homens comuns que tombaram nas areias da Normandia no dia D.

Miles Davis "Summertime" (1958)

D-Day

Finalmente, após dias de espera, a meteorologia autorizou o desembarque na Normandia no dia 6 de Junho de 1944.
Com muito sacrifício, sangue e heroísmo, começava finalmente a derrota da barbárie negra.



250 GTO

Este é o Ferrari 250 GTO feito para o Stirling Moss e que foi agora vendido por 30 milhões de dolares, o carro mais caro de sempre.
Há quem ache este o carro mais bonito jamais fabricado e eu concordo, embora nunca esqueça o Jaguar E Type.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pablo Casals: Schumann Cello Concerto (1/3)

Nigel Kennedy / Purple Haze

CUSTOS A PAGAR


O que se tem passado com o chamado Metro Mondego, agora Sistema de Mobilidade do Mondego é demasiado grave para que alguém de Coimbra se possa abster de tomar posição sobre o mesmo.
Chegámos a um ponto em que pouco interessa quem fez ou deixou de fazer o quê. Essa análise far-se-á certamente quando chegar a hora do ajuste de contas político, que ocorrerá mais depressa do que se possa pensar e, ou muito me engano, ou gerará muitas surpresas.
O que agora verdadeiramente interessa é que, num tempo de comissões destinadas a suportar decisões políticas, não se deixe de manifestar que tudo tem um custo, pago por alguém.
As obras de reabilitação da antiga “linha da Lousã” já absorveram mais de cento e vinte milhões de euros. Faltará menos de metade disso para colocar os veículos (de rodas metálicas) a circular entre Serpins e Coimbra. Em tempo de reafectação de verbas do QREN conviria garantir a reserva do valor necessário para acabar as obras que, ao que se sabe, já pouco ou nada necessitarão do orçamento de estado. A necessária rentabilização da despesa já feita só se poderá fazer com actividade comercial, isto é, com a venda dos bilhetes, pelo que acabar a obra e colocar o sistema em funcionamento faz todo o sentido.
Mas tudo tem um custo, mesmo o que agora se passa. E os custos que estão a ser suportados pelos municípios atravessados pela linha e pelos seus munícipes, em resultado da actual situação, é elevadíssimo. Numa região que já evidencia algum grau de metropolização, não se pode eliminar um transporte de massa pré-existente, sem custos sociais e económicos insuportáveis.
Já não falo dos custos sociais e políticos consequência da consciencialização, por parte das populações, de que os decisores políticos eleitos democraticamente não cumprem as suas promessas concretas nem mostram diligência na gestão competente dos dinheiros públicos. Mais cedo ou mais tarde será o próprio sistema político ou mesmo o regime a ressentir-se disso.
Mas há de facto custos concretos, decorrentes da paragem do projecto, que eram evitáveis e que se podem contabilizar.
Os munícipes da Lousã, Miranda e Coimbra que utilizam os autocarros em vez do comboio têm os seus tempos de percurso diários e outros aumentados de uma forma extrema; para não falar da falta de conforto, o aumento de tempo médio associado ao nº de viagens dará uma ideia clara de uma das parcelas dos custos. Outra parcela advém das alterações no mercado da habitação da Lousã e de Miranda do Corvo que somará quer os prejuízos privados da descida de valor gerado, quer as receitas municipais perdidas.
Mas o município de Coimbra é claramente o mais prejudicado e aquele que suporta uma factura maior. Desde logo, pelos prejuizos semelhantes aos dos dois outros municípios já referidos, na parte do concelho atravessada pela linha. Depois, pelas dificuldades e aumento de custos associados aos atrasos na reabilitação urbana do centro histórico de Coimbra. Mas não podemos esquecer o caos induzido no sistema rodoviário da cidade, pela eliminação da alternativa ferroviária da linha da Lousã. E esse custo é também calculável: atrasos por causa das filas em todo o eixo Portela/Estação Velha de manhã e ao fim da tarde, que se repercutem no resto da rede viária urbana. Os custos ambientais são igualmente pesados e hoje em dia mensuráveis: o fumo dos escapes dessas filas de pára-arranca compostas em boa parte por pesados de passageiros é claramente visível a olho nu, podendo e devendo os níveis de poluição do ambiente passar a ser medidos nesses locais. Os pavimentos das ruas estão a ser sujeitos a cargas pesadas com uma frequência muito superior ao suposto, o que se reflectirá em custos de reparação também certamente necessários nas infraestruturas enterradas.
Os municípios afectados pela actual situação andariam bem se preparassem mensalmente uma factura mensal dos custos que suportam (actuais e futuros, mas reais) pela falta de decisão de terminar o que está começado e quase acabado, factura essa a integrar de forma consistente os elementos que servirão de base à decisão final.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Junho de 2012

domingo, 3 de junho de 2012

No fundo

Soube agora que Portugal perdeu ontem com a Turquia. Por 3 a 1.
Pois.
Chamem o de paris para montar um "plano de recuperação seleccional". Pode ser que resulte.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Fontes abertas e fontes fechadas.

Estamos sempre a aprender.
Fontes abertas seriam as que têm a água sempre a correr, enquanto as fechadas seriam as que têm torneira. Seria, mas já não é.
País da treta.

Regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica

Lei nº 22/2012
Publicada em 30/5/2012
Coimbra é classificada como Município de nível 2.
Os mesmos critérios inteligentes e perfeitos colocaram Valongo, a Moita, etc. como municípios de nível 1.
Quem bolsou esta lei pode limpar as mãos à parede.
Os Exmºs Deputados eleitos por Coimbra pelo PSD aprovaram esta coisa?

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Bancarrotas (ou quase)



Há um ano estávamos em situação de pré-bancarrota, isto é, o Estado português não dispunha de fundos para cumprir as suas obrigações nem sequer para pagar aos seus funcionários, não havendo quem nos emprestasse dinheiro, a não ser em condições de agiotagem pura. Foi o ministro das Finanças dessa altura que nos avisou do facto, obrigando o então primeiro-ministro a chamar a “troika” que nos trouxe o dinheiro que os mercados nos negavam, a troco de condições que fomos obrigados a aceitar. Ficámos assim, durante algum tempo, com acesso a dinheiro emprestado sem ter que ir ao mercado pedi-lo, o que significa uma segurança temporária, mas uma segurança, apesar de tudo.
Mas há uma área da actividade económica que, quer entre nós, quer a nível mundial, continua a provocar as mais fundadas preocupações e que é aquela que deu origem ao termo que dá o título a esta crónica: precisamente a banca.
Não se passa praticamente um dia em que não nos cheguem más notícias da banca. Ontem foi a colocação do Facebook no mercado. Apesar de montada por um dos mais prestigiados bancos, o Morgan Stanley, a sensação é de que a operação foi uma autêntica barracada. Claro que uma barracada gigantesca, da ordem de 16 mil milhões de dólares, o que deu muito dinheiro a ganhar a alguns “felizardos”, já que a avaliação da rede social foi claramente inflacionada, antes da entrada em bolsa. Pelos vistos, dentro do próprio Morgan Stanley alguém se apercebeu da “bolha” que se estava a encher, avisando alguns investidores privilegiados do facto. Claro que, entretanto, as acções já desceram uns 17% e continuam a cair.
Ainda ontem, mas mais perto de nós, soube-se que, em apenas cinco dias, os três maiores bancos privados portugueses perderam 660 milhões de euros na sua capitalização. As acções do Millennium BCP, por exemplo, já não chegam a valer 10 cêntimos.
Anteontem foi a notícia chocante para todo o mundo, da descoberta de uma perda de mais de 2 mil milhões de dólares no banco que até agora era o paradigma mundial de segurança nos investimentos, o JPMorgan Chase. O único banco de investimentos que passou incólume pela tempestade financeira de 2008/2009, que tem no seu interior uma segurança contra falhas ao mais alto nível que pode existir, em que o responsável pela área ganhou o ano passado 15 milhões de dólares, veio agora descobrir no seu interior uma carteira de investimentos que é afinal um buraco de 2 mil milhões. É obra; até porque essa carteira destinava-se precisamente a precaver os resultados do banco contra baixos crescimentos económicos. Lá está, vai-se a ver e trata-se de “produtos derivados”, quase impossíveis de gerir racionalmente por pessoas, para além dos programas automáticos hipersofisticados que fazem perder a relação com a realidade. Os tais “derivados” a que Warren Buffet costuma chamar “armas de destruição maciça”, mas de que até o JPMorgan não consegue fugir.
Aqui entre nós, anteontem o fundador do BCP Eng. Jardim Gonçalves chamou dramaticamente a atenção para o que está a acontecer na banca portuguesa em consequência das medidas de recapitalização impostas pelos burocratas europeus e que a curto prazo vão acabar por entregar os bancos portugueses a estrangeiros, por valores ridículos.
A economia portuguesa anseia pelo dinheiro que os bancos não são capazes de lhe fornecer em condições aceitáveis. Provavelmente, porque não o têm, já que o seu problema é sobreviver, gerir a dívida pública que tiveram que comprar e ainda responder às exigências de recapitalização inventadas pela União Europeia. Um país pequeno como o nosso, que está pejado de auto estradas do lá-vai-um e que têm que ser pagas, endividado até ao tutano, com a economia estagnada, com um Estado habituado a gastar muito mais do que recebe em impostos, não está provavelmente em condições de exigir nada perante a União Europeia e baixar a cabeça, já que o seu problema é safar-se da tempestade.
Mas não podemos deixar de ter consciência de que grande parte dos males europeus actuais vem dos erros gigantescos da actividade financeira, em particular da banca, havendo uma enorme responsabilidade das entidades que a deviam regular como os bancos centrais. Acresce que os dirigentes políticos europeus estão claramente impreparados para lidar com forças tão poderosas como os gigantescos fluxos financeiros que diariamente dão várias voltas à Terra, não se sabendo nunca exactamente onde estão, nem para onde se dirigem. Os mercados são essenciais à vida económica nos seus mais diversos níveis, mas os Estados e neste caso a União Europeia têm que ter capacidade e meios para se defender, evitando dar o ouro ao bandido como se costuma dizer e preservando os seus cidadãos dos predadores de que individualmente não se podem defender.
Publicado originalmente no diário de Coimbra em 28 de Maio de 2012