Para quem já tem idade para ter seguido com alguma atenção a evolução política do país durante dezenas de anos não deixa de ser estranho que a simples possibilidade de demissão de um ministro provoque uma tão grande comoção na comunicação social e na classe política como tem sucedido nos últimos dias. Desconfio mesmo que essa atenção não será acompanhada pela esmagadora maioria dos portugueses que têm muito mais em que pensar e com que se preocupar.
Relembrando o essencial desta crise política, tudo começou com a demissão da secretária de Estado do Tesouro que antes tinha sido administradora da TAP, de onde saiu com uma choruda indemnização. Curiosamente, a sua entrada no Governo a convite do ministro das Finanças deu-se para substituir o anterior ocupante da pasta que tinha passado a trabalhar como sec. de Estado adjunto do primeiro-ministro com responsabilidades na área de coordenação do Governo, dado que o seu antecessor nesse lugar foi obrigado a demitir-se ao ter sido tornada pública a sua actuação, algum tempo antes, como presidente da Câmara de Caminha. Em sucessão delirante de acontecimentos, depois da demissão da sec. de Estado do Tesouro, saiu outro sec. de Estado, agora no ministério das Infraestruturas e a seguir foi a vez de o poderoso ministro das Infraestruturas seguir o mesmo caminho. Tudo no meio de descoberta de mentiras sobre mentiras, tendo-se seguido a demissão em directo na televisão, por dois ministros, das duas principais figuras da administração da TAP: a administradora executiva e o presidente do conselho de administração.
E pensar que tudo teve início com a história rocambolesca de um pavilhão pago por uma Câmara, que nunca chegou a existir, história de que todo o país se riu às gargalhadas, pela sua implausibilidade!
Está agora na berlinda João Galamba, ministro das Infraestruturas há cerca de quatro meses, desde a demissão de Pedro Nuno Santos, de quem era, aliás, secretário de Estado. Na sequência de notícias pelo menos contraditórias sobre notas de reuniões e cenas ocorridas no seu gabinete ministerial reveladas publicamente com detalhe inaudito por João Galamba, o presidente da República veio a público, numa atitude sem precedentes, exigir a saída do ministro, o que foi recusado pelo primeiro-ministro.
Abriu-se assim uma evidente crise institucional entre Governo e presidência da República, algo que já aconteceu anteriormente por diversas vezes no actual regime democrático, lembrem-se as relações entre institucionais muito tensas, para dizer o mínimo, entre Eanes e Sá Carneiro e entre Mário Soares e Cavaco Silva. Contudo, a reacção de Marcelo Rebelo de Sousa à recusa de António Costa em demitir Galamba constituiu um passo em frente que é outra originalidade. Marcelo falou directamente ao país num discurso muitíssimo duro sobre a actuação de João Galamba concluindo por a considerar irresponsável, considerando que a sua continuação como ministro acarreta graves consequências para o Governo e para o próprio Estado a nível de responsabilidade e mesmo de autoridade. Em consequência o Presidente avisou que a sua atitude perante a governação será, apesar de manter colaboração institucional, muito mais severa e rigorosa.
O insólito da situação deve estar a deixar a generalidade dos portugueses atónitos e desagradados com a situação, até porque foram chamados a escolher deputados e consequentemente Governo há pouco mais de um ano, mas sabendo bem que num dia destes terão a possibilidade de dizer o que acham disto tudo através de novo voto.
Já a classe política reage de forma curiosa. Lá longe, na extrema-direita e proximidades clama-se por uma dissolução imediata do parlamento e realização de novas eleições; lá igualmente longe, mas do lado da extrema-esquerda e vizinhança aponta-se que primeiro-ministro e presidente têm igualmente responsabilidades, não pedindo eleições imediatas, mas garantindo não terem medo delas. Nas proximidades, o PSD afasta-se da questão principal, salientando as responsabilidades concretas dos membros do Governo, mas afastando a necessidade de eleições imediatas. Ainda por perto o PS, fechando os olhos à realidade, garante que tudo isto não foge à normalidade democrática, não passando de compreensíveis diferenças de pontos de vista.
O que todos sabemos é que as próximas decisões políticas do país estarão claramente dependentes do que se vai passar na Comissão Parlamentar de Inquérito da TAP. Isto é, o futuro do país depende de afirmações que poderão andar muito perto de vinganças pessoais e não da governação económica, da gestão do SNS, da Justiça, da Educação, etc.
Tudo isto é evidentemente triste, mas será mesmo o nosso fado?
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Maio de 2023
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