Passaram no sábado, dia 20 de Maio, 574 anos sobre a tragédia vergonhosa que foi a dita Batalha de Alfarrobeira, mais uma vez sem que em Coimbra se tivesse dado conta desse facto que tão significativo foi para a História da nossa Cidade, mas também de Portugal.
Em Alfarrobeira, perto de Alverca, foi morto no dia20 de Maio de 1449, trespassado por uma seta, o Infante Dom Pedro, primeiro Duque de Coimbra e um dos membros da “Ínclita Geração, Altos Infantes”, assim se referiu Camões nos Lusíadas aos filhos de D. João I e de Filipa de Lencastre. Resultado trágico de invejas e mau génio, principalmente do seu meio-irmão Afonso primeiro Duque de Bragança, mas também de alguma parte da aristocracia que rodeava o Rei D. Afonso V. Depois da batalha o seu corpo foi abandonado durante três dias (É fartar vilanagem!) e sepultado quase às escondidas, tendo sido depois transladado para Abrantes de onde só saiu para o Mosteiro da Batalha em 1455.
Historiadores referem o facto de Dom Pedro, durante a sua regência entre 1439 e 1444, ter seguido as suas ideias muito modernas para a época sobre a governação explanadas nos seus célebres escritos anteriores, tendo colocado em causa tradições feudalistas e respectivos interesses de boa parte da aristocracia. Atitude governativa que só seria recuperada pelo seu neto D. João II, o “Príncipe Perfeito”.
Dadas as suas viagens, de uma extensão rara para o seu tempo e que duraram dez anos, Dom Pedro ficou conhecido como o “Infante das Sete partidas”. Nas suas viagens conheceu Londres e Oxford recebendo a “Ordem da Jarreteira”, mas também Bruges, Bruxelas, Lovaina e a Borgonha, bem como Colónia e Nuremberga. Viajou até Veneza, Pádua, Bolonha, Florença e Roma, e ainda Viena, Budapeste e Belgrado. Ajudou o Imperador Segismundo na luta contra os Turcos invasores, que lhe outorgou a “Marca de Treviso”. Em Veneza comprou um “mapa-mundi” que terá sido fundamental para o desenvolvimento das navegações portuguesas. De Pádua trouxe para Lisboa as relíquias de Stº António e o símbolo da sua casa, a Balança, ainda hoje representa a Justiça.
Mas Dom Pedro ficou ainda famosos pela sua cultura e pelos seus escritos, tendo traduzido Cícero bem como Séneca, que comentou. Da sua autoria ficou para sempre a definição de poesia notável pela sensibilidade e argúcia: “poesia é mais sabor do que saber”. Aquando da sua passagem por Bruges, escreveu a seu irmão D. Duarte, futuro Rei, uma carta que ficou famosa dando-lhe conselhos para o seu futuro reinado; entre outras ideias, recordou a má instrução generalizada do clero português, propondo-lhe a criação de Colégios na Universidade de Lisboa, à semelhança de Oxford e Paris. Foi o autor da “Virtuosa Benfeitoria” cuja redacção final ficou a cargo de Frei João Verba, onde se baseia nos clássicos e também nos grandes filósofos cristãos, estabelecendo doutrina sobre o poder e o seu exercício que deve estar ao serviço do bem comum. Da sua autoria é também o “Livro dos Ofícios”.Mandou ainda terminar a compilação das Ordenações Afonsinas que vinham já do reinado de D. Duarte e que ficaram prontas em 1446, importantes para o desenvolvimento e modernização do país, mas constituindo um grande golpe no sistema político medieval. Aliás, durante a sua regência, entre muitas outras decisões, suspendeu também o “direito de aposentadoria” pelo qual os povos estavam obrigados a dar pousada gratuita aos séquitos dos nobres em jornada pelo Reino mandando, em alternativa, construir uma rede de estalagens, cuja utilização seria paga.
No seu ducado preparou a criação de uma nova Universidade em Coimbra. Para tal, enquanto regente, publicou um diploma pelo qual, em nome do Príncipe Afonso, decretou o Estudo de Coimbra custeado pelas suas rendas e sob a sua protecção.
Apesar de tudo isto e do muito mais que a extensão de uma crónica não permite escrever, ou por causa disso mesmo, o primeiro Duque de Coimbra foi vítima de maledicências e invejas da grande aristocracia capitaneada pelo seu meio-irmão Duque de Bragança que foram acolhidas pelo seu sobrinho e genro rei D. Afonso V. Como resultado, Dom Pedro e a maioria dos seus homens foram mortos em Alfarrobeira. D. Afonso V não se ficou por aí, tendo movido perseguição a tudo e todos que se relacionassem com o falecido Duque de Coimbra. Não redime a História que o Rei D. João II, filho de D. Afonso V, tivesse vingado o avô Dom Pedro mandando executar em 1483 em praça pública os responsáveis pela conspiração ocorrida 34 anos antes, matando ele próprio o Duque de Viseu, seu cunhado. Na realidade, Dom Pedro parece ter sido erradicado da História de Portugal, numa atitude algo estranha, que talvez radique numa imensa e justificada vergonha colectiva. Nem Coimbra, sede do seu ducado, o relembra com a mínima dignidade.
Sobre ele, relembro as palavras de Sophia de Mello Breyner Andersen:
“Nunca choraremos bastante, nem com pranto
Assaz amargo e fortemente
Aquele que fundou glória e grandeza
E recebeu em paga insulto e morte”.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Maio 2023
Imagens recolhidas na internet