“O General que compreende perfeitamente as vantagens que advêm das variações das táticas sabe como comandar as suas tropas”
Historicamente a guerra, a par do seu extenso rol de horror e tragédias, tem servido para notáveis e rápidos avanços tecnológicos que, nos tempos de paz que se lhes seguem, muito contribuem para facilitar a vida das pessoas comuns. Basta pensar na pólvora e mais recentemente, nos computadores e no GPS. De facto, a necessidade aguça o engenho e as urgências de vitória militar puxam por capacidades adormecidas. Na Segunda Guerra Mundial os Aliados viram-se na necessidade de deslindar a famosa máquina de códigos alemã, daí tendo nascido o Colossus, primeiro computador a que rapidamente se sucederam outros de utilização militar. Não foram necessárias muitas décadas até que praticamente toda a actividade humana se baseia hoje nos computadores como este em que escrevo. O sistema GPS (Sistema de Posicionamento Global) já era utilizado militarmente no início dos anos 80 do século passado, mas foi preciso que os americanos abatessem por engano um avião comercial de passageiros iraniano para que o Presidente Reagan ordenasse a abertura livre e gratuita do sistema ao mundo civil. Aliás, a própria internet pela qual vou enviar esta crónica por mail para publicação se deve à investigação militar, já que a primeira rede foi criada em 1969 pelo Departamento de Defesa dos EUA: a Arpanet.
Atualmente fala-se muito em IA (Inteligência Artificial) sendo abordadas muitas áreas em que o seu desenvolvimento facilitará imenso a actividade humana como, por exemplo, na medicina. Há também quem receie o papel da IA na eliminação de postos de trabalho, replicando aqueles que no início da Revolução Industrial se opuseram à utilização das máquinas, chegando a invadir fábricas destruindo os equipamentos de fiação mecanizados. Estou convicto de que, ao contrário de quem assim pensa, estamos no dealbar de uma nova era em que muito será facilitada a vida e a organização social, em particular na área económica.
Mas se há área em que a IA irá muito rapidamente mudar tudo aquilo que se viu até hoje, é a guerra. Desde o início da guerra na Ucrânia em 2022 que se tem visto a forma como têm evoluído as tácticas militares existindo, ao lado da guerra convencional baseada em artilharia e combates quase corpo a corpo, toda uma utilização de novas tecnologias. Os drones são uma demonstração da evolução extremamente rápida das capacidades dos instrumentos militares. De início eram orientados por GPS mas a capacidade inimiga de empastelar os sinais de orientação, bem como a utilização de ondas de rádio capazes de criar alvos fictícios para proteger os verdadeiros levaram à entrada da IA nos drones. Eles passaram a não depender de sinais exteriores, sendo capazes de se orientar no terreno por eles próprios e de distinguir os alvos falsos dos verdadeiros, através da capacidade de realizar milhões de cálculos por segundo.
Este é um exemplo simples da forma como a IA está já a mudar a forma de fazer a guerra. O ser humano é absolutamente incapaz, num cenário de guerra, de analisar todos os factores que levam a uma decisão correcta face a uma situação em permanente e imprevisível evolução, o que é facilmente executado pela IA. O problema moral coloca-se numa situação limite em que deverá ser colocada uma decisão humana no meio antes da ordem final. O que, na realidade, atribui automaticamente uma vantagem ao inimigo que não tenha essa preocupação moral e pode resultar na derrota.
Como consequência imediata, se os países ricos e poderosos sempre tiveram vantagens em situação de guerra, a IA vai dilatar essa vantagem até ao infinito. Porque, antigamente e nos nossos dias, mesmo os poderosos não podiam vencer sem perdas humanas significativas no terreno, o que não irá acontecer no futuro. A IA permite obter vantagens decisivas, quer na defesa, quer no ataque, a quem dominar a tecnologia e estiver sempre na vanguarda do desenvolvimento da mesma.
Neste momento os países que estão nessa situação são a China e os EUA, estando a Europa completamente fora da corrida. Se até há pouco a China parecia estar ao lado ou mesmo ligeiramente adiantada nesta corrida tecnológica do desenvolvimento da IA, neste momento os EUA parece tomarem já larga vantagem. Sinal disso mesmo é a valorização gigantesca da Nvídia, maior produtor mundial de chips capazes de IA.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Julho de 2024
Imagens retiradas da internet