segunda-feira, 30 de maio de 2016

“Afundem o Bismarck”


Na semana passada deu-se o momento final de uma das mais impressivas batalhas da II Guerra Mundial. Em Portsmouth, cidade inglesa onde se localiza o museu nacional da Royal Navy, ouviu-se o sino do navio HMS Hood a ser tocado pela primeira vez desde há 75 anos.
O couraçado Hood era o maior navio da Marinha Britânica e, em Maio de 1941, participava numa gigantesca operação naval que visava impedir que o couraçado alemão Bismarck passasse do Báltico para o Atlântico onde poderia impedir todos os abastecimentos à Grã Bretanha. O Bismarck era um navio de guerra impressionante construído na década de 30 nos estaleiros Blohm & Voss em Hamburgo, com uma artilharia poderosíssima, grande velocidade e uma blindagem resistente a quase todo o fogo inimigo, sendo o orgulho da marinha alemã e um perigo para a armada inglesa.

Nessa altura, a Europa estava praticamente toda ocupada pelas tropas nazis, Dunquerque tinha acontecido há um ano, os EUA permaneciam no seu isolamento, a União Soviética ainda não tinha sido invadida e apenas a Grã-Bretanha resistia corajosamente à vontade de Hitler estabelecer o seu Reich de mil anos. Depois do Bismarck, juntamente com outro couraçado alemão, o Prinz Eugen, terem conseguido passar pelo estreito da Dinamarca sem serem detectados, foram vistos já a navegar em pleno Atlântico, tendo vários navios ingleses seguido no seu encalço para lhe darem batalha. No dia 24 de Maio de 1941 o Hood afrontou o Bismarck de proa para lhe oferecer alvo mais reduzido mas a primeira salva do Bismarck atingiu-o em cheio, afundando-o de imediato e levando para o fundo os mais de 1.400 homens da sua guarnição. Perante o desastre, os outros navios ingleses, com menor poder de fogo, afastaram-se e o Bismarck continuou a sua rota no Atlântico, para cumprir a sua missão de afundar todos os navios que se dirigissem para as ilhas britânicas, seguindo a estratégia de Hitler de as isolar completamente, enquanto o Prinz Eugen se dirigiu para a França ocupada.
As ordens do governo britânico chefiado por Winston Churchill foram claras: “Afundem o Bismarck”. Seguiu-se uma gigantesca operação de caça pelo mar do Norte, com uma frota de navios britânicos a procurar o Bismarck que apenas terminou no dia 27 de Maio quando foi cercado e alvo da artilharia naval e torpedos, já que um ataque aéreo na noite anterior lhe avariara o leme e o colocara em situação de inferioridade. O Bismarck, depois de ter sido atingido com gravidade, acabou por ser afundado pela sua própria guarnição.
O afundamento do Hood e posterior caça ao Bismarck ficou como um marco na História da Royal Navy e da capacidade de resistência e sacrifício britânicos perante um inimigo poderoso que destruía de forma selvagem tudo aquilo que pudesse impedir os seus objectivos de poder total e absoluto.
No ano passado, foi finalmente resgatado o sino do HMS Hood dos seus restos que jazem no fundo do Atlântico norte.
Foi assim possível realizar a cerimónia no dia 24 de Maio da semana passada, em memória dos marinheiros do Hood afundado naquele mesmo dia, 75 anos antes. Os familiares dos marinheiros desaparecidos naquele dia trágico em luta crucial e decisiva pela Liberdade da Humanidade puderam assim recordá-los e prestar-lhes homenagem, com o toque do sino que eles mesmos ouviam a bordo nas suas fainas.


Estes acontecimentos mostram como a guerra é algo terrível a evitar com todas as forças pelas consequências trágicas para tantos que nela combatem e para as suas famílias. Mas são também a prova de que muitas vezes não é possível fugir dela e de que o heroísmo também faz parte da condição humana e, muitas vezes, é dele que depende o futuro digno de muitos. E os que assim caem devem ser lembrados e homenageados, como agora aconteceu em Portsmouth de forma simbólica tão cara aos marinheiros.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Leicester City Football Club, campeão.


As cidades são seres vivos que evoluem ao longo do tempo. Em certos períodos da sua história surgem pujantes de vida, afirmando-se em áreas em que não encontram competidor. Aos quais se podem seguir períodos de apagamento ou mesmo definhamento mortal que as apaga de qualquer papel relevante. Eventualmente podem renascer e voltar a afirmar-se de uma forma que nada tem a ver com o seu antigo sucesso. Tudo isso porque são as pessoas e as suas relações, capacidade de inovação e espírito empreendedor tantas vezes visionário, que definem verdadeiramente as Cidades e o seu papel no tecido envolvente.
A cidade inglesa de Leicester apareceu nas notícias há três anos pela descoberta dos restos mortais do Rei Ricardo III, que estavam desaparecidos há mais de quinhentos anos depois de ter morrido na batalha de Bosworth Field. Após a sua identificação sem quaisquer dúvidas, os restos mortais do rei foram levados para a Catedral de Leicester em Março de 2015, onde finalmente descansam. 

O túmulo chama visitantes de toda a Grã-Bretanha pela notoriedade da personagem histórica muito ampliada por Shakespeare na sua obra que leva o nome do rei e que ainda hoje é motivo de acesas controvérsias.
Leicester é uma cidade de dimensão média com pouco mais de trezentos mil habitantes. Nos anos 30 do século XX era tida como uma das cidades mais ricas da Europa, devido às suas fábricas de vestuário e calçado, dizendo a publicidade da altura que “Leicester vestia o mundo”. Entretanto, com a deslocalização dessas indústrias para outras paragens, a força económica da cidade praticamente desapareceu. Mas hoje esse passado é história e a recuperação de Leicester é um facto. A revista Economist abordou o que entretanto se passou e informa-nos que, na actualidade, para além de Londres, Leicester é a cidade inglesa com a taxa mais rápida de crescimento, tendo o seu produto crescido 22% entre 2009 e 2014, criando emprego e atraindo mais moradores, fazendo crescer a população em 17% em dez anos. Há um afinar de objectivos e estratégias entre as autoridades locais e as universidades da cidade. 
As universidades apoiam directamente a formação de “start-ups” quer tecnica, quer mesmo financeiramente com injecção de capital inicial. As autoridades locais agem rapidamente sempre que surge uma oportunidade de investimento na Cidade; criaram um quarteirão cultural para desenvolver o centro urbano e entregam terrenos para facilitar o desenvolvimento de pequenas e médias empresas. A novidade do novo túmulo de Ricardo III é explorada ao máximo pela autarquia para atrair turistas, através de excelentes operações de marketing.
Foi neste caldo que o relativamente pequeno clube de futebol de Leicester conseguiu agigantar-se e vencer a Primeira Liga Inglesa onde pontuam clubes milionários como o Manchester United, o Chelsea ou o Liverpool, só para citar alguns. O sucesso das “raposas”, como é conhecido o clube de futebol de Leicester, não apareceu do nada, antes foi fruto de trabalho profícuo do clube com o treinador Claudio Ranieri que trouxe os seus 30 anos de experiência em futebol e gestão profissional para um clube que não tinha historicamente os meios e a organização necessários para se afirmar. 

Claro que o facto de o clube ter sido comprado há seis anos por um multimilionário tailandês ajuda, mas a atração desse investidor não surgiu por acaso e a decisão de investir a longo prazo em vez de optar por compras caras de jogadores famosos veio a mostrar-se decisiva e vitoriosa.
Mas, em termos desportivos, Leicester não se vem afirmando apenas no futebol. O seu clube de rugby é também dos melhores de Inglaterra.

Leicester surge hoje como um exemplo para muitas outras cidades e não apenas inglesas. Depois de um período de afundamento económico, detectou quais as suas capacidades e potenciais e reagiu conseguindo-as utilizar da melhor maneira. Ao fim de trinta anos de esforço, Leicester é um exemplo de recuperação e fulgor económico que se reflecte em diversas áreas como o desporto e a cultura.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

LIBERDADE DE IMPRENSA



Embora não se tenha notado muito na nossa comunicação social, celebrou-se no passado dia 3 de Maio o “Dia Internacional da Liberdade de Imprensa”. Motivo para avaliação da situação da liberdade de imprensa nos dias de hoje e da evolução que tem tido.
A propósito da publicação do relatório mundial de 2016 sobre a liberdade de imprensa no mundo, a campanha da organização RSF (Repórteres Sem Fronteiras) veio chamar a atenção para a realidade de uma forma apelativa e irónica, classificando 2015 como um “ano excepcional para a censura”.

De acordo com a RSF, “os líderes mundiais estão “paranoicos” em relação aos meios de comunicação e estão a limitar cada vez mais a liberdade de imprensa”. Esta é uma conclusão que, à primeira vista, até poderá ser uma surpresa nestes tempos em que nos habituámos a ter disponível nos nossos computadores e telemóveis uma quantidade de informação antes impensável. E, no entanto…
A campanha da RSF colocou na mira doze Chefes de Estado que, de copo na mão parecem festejar as suas vitórias contra a liberdade de imprensa, participando na chamada “Festa Errada”. Desde o Burundi à Eritreia, passando pela China, Rússia, Turquia, Arábia Saudita, Coreia do Norte, Venezuela, Azerbaijão ou Tailândia, entre outros, vários países possuem lideranças políticas que despedem jornalistas, mandam-nos para a cadeia e para campos militares ou sujeitam-nos a açoites públicos, quando não promovem o seu assassínio. As conclusões do relatório são preocupantes e devem-nos fazer pensar sobre o que se passa no mundo nos dias de hoje já que, sem liberdade de imprensa pura e simplesmente não existe Liberdade.
Nos últimos lugares da classificação estão o Turquemenistão, a Coreia do Norte e a Eritreia, mas a China está logo a seguir a estes, o que nos deverá colocar em alerta, atendendo à sua expansão económica no Ocidente onde compra empresas estratégicas, como é o caso de Portugal. Não será uma novidade que as piores zonas do mundo no que se refere à Liberdade de Imprensa sejam o Norte de África e o Médio Oriente onde os jornalistas têm a sua actividade dificultada ao máximo. Também não nos admiraremos ao constatar que, no cimo da tabela, estão a Finlândia, a Holanda e a Noruega, países há muito praticantes da liberdade de imprensa e onde o jornalismo de investigação é particularmente respeitado e defendido.
No entanto, algo se passa mesmo na Europa onde hoje damos como adquiridos determinados direitos como o da liberdade de informação. No ano de 2015 o Governo polaco passou a ter completo controlo sobre a nomeação e afastamento dos directores da rádio e da televisão pública. Mas também em França há problemas, neste caso pela excessiva concentração da propriedade dos media o que ameaça directamente o trabalho independente dos jornalistas.
Portugal aparece neste relatório na 23ª posição o que, não sendo particularmente brilhante, também não nos envergonhará por aí além.
Nós portugueses deveríamos mesmo ser muito sensíveis a este tema, porque o nosso tempo de fruição de liberdade de imprensa é ainda muito curto. Passámos demasiados anos (centenas, mesmo) com uma censura religiosa férrea e durante todo o Estado Novo houve igualmente Censura, desta vez por parte do estado. 

E só não passámos a ter outra censura pouco depois do 25 de Abril porque muitos se levantaram contra essa tentativa por parte de forças políticas a coberto de militares radicais do MFA.

A vontade de “matar o mensageiro das más notícias” como se costuma dizer lembrando hábitos muito antigos, persiste ainda hoje de uma forma muito evidente, mesmo entre nós. Há por aí políticos que parece não terem mesmo outro “leitmotiv” do que acusar a comunicação social de todos os males e outros que ficam doentes quando verdades incómodas são transmitidas. Melhor seria que respeitassem quem transmite as notícias e olhassem com alguma réstea de humildade para as suas fraquezas e mesmo fracassos que, esses sim, dão tantas vezes cabo da vida das pessoas.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

NUCLEAR? NÃO, OBRIGADO.


Era este o slogan dos activistas contra a energia nuclear nos anos 70 e 80. Era um tempo em que a produção de energia eléctrica através das centrais nucleares avançava um pouco por todo o mundo, quando a alternativa energética se ficava pelas centrais a carvão e produtos derivados do petróleo. A produção de energia que hoje se chama sustentável ficava-se pelas barragens. O aumento do custo dos derivados do petróleo depois dos choques petrolíferos levava os países a procurar alternativas e o nuclear aparecia como muito viável dado que, embora o custo inicial de instalação fosse muito elevado, o custo unitário da energia produzida era muito reduzido. Claro que persistia a questão dos resíduos produzidos altamente radioactivos e de como os guardar, para além da própria segurança das centrais, questões ambientais muito fortes, desde sempre levantadas pelos ambientalistas de todo o mundo.
Para quem na altura pensasse com racionalidade e acreditasse nas garantias prestadas por cientistas do mais alto nível, pareceria que os ambientalistas estavam errados e que as suas lutas não tinham razão de ser. Nada de mais errado, veio a descobrir-se da pior maneira.

Em 28 de Março de 1979, houve várias falhas técnicas e erros humanos que provocaram uma perda de líquido de arrefecimento e libertação de radiação na central de Three Mile Island, nos EUA. Apesar da comoção que provocou, esse acidente foi sustido e as consequências foram relativamente diminutas. A opinião pública ficou, no entanto, alertada para a falta de segurança das centrais nucleares, por mais esforços que se fizessem nesse sentido.
Em 26 de Abril de 1986, fez agora trinta anos, viria a suceder na central nuclear de Chernobyl, na cidade de Pripyat, na antiga União Soviética (hoje Ucrânia) aquilo que todo o mundo temia. Uma série de erros humanos associada a defeitos de concepção provocou uma violenta explosão num dos reatores que arrancou o tecto e fez espalhar material radioactivo pela região e por grande parte da URSS e da Europa Ocidental. As autoridades soviéticas tentaram manter o sucedido em segredo, o que só piorou as coisas. Enquanto bombeiros da região tentavam controlar o violento incêndio que se seguiu, a vida continuou a correr normalmente na cidade vizinha, debaixo de uma autêntica nuvem de material radioactivo. Com o resto do país mantido na absoluta ignorância do sucedido, só mais de 36 horas depois do acidente Pripyat foi evacuada tornando-se na cidade fantasma que ainda hoje é. E só depois de sensores localizados na Suécia terem detectado a subida anormal de índices radiactivos na atmosfera é que o resto do mundo tomou conhecimento de que algo de muito grave tinha acontecido. No dia 1 de Maio, os responsáveis comunistas de Kiev tratavam de evacuar as suas famílias, mas as celebrações do dia do trabalhador continuavam na rua com milhares de pessoas, incluindo crianças em calções, desconhecendo que estavam a ser expostas a radiações muitas vezes superiores ao normal.
Mais tarde Gorbachev, o último líder soviético, viria a reconhecer a importância do desastre de Chernobyl, bem como todo o processo de ocultação e de falta de respeito pelas populações que se lhe seguiram como uma das principais causas da extinção do mundo soviético.

Em 11 de Março de 2011, foi a vez de o Japão sofrer um acidente de gravidade semelhante a Chernobyl. Um tsunami atingiu a costa nordeste do Japão, causando a inundação de um enorme território e 19.000 mortos. No caminho foi atingida a central nuclear de Fukushima que não resistiu ao choque das águas, tendo acontecido uma fuga de águas radioactivas para a área circundante e para o mar. Mais de 160.000 pessoas foram evacuadas e cinco anos depois há ainda dezenas de milhares de pessoas a viver em abrigos.
Em consequência destes acidentes, a opção pelo nuclear tem vindo a ser abandonada por vários países, como por exemplo a Alemanha que decidiu fechar as suas 8 centrais até 2022. A França pretende diminuir a percentagem do nuclear na energia que produz dos actuais 75% para 50% em dez anos.

Trinta anos depois de Chernobyl é caso para dizer que os ecologistas tinham carradas de razão quando rejeitavam a energia nuclear.

FUTEBOL E POLÍTICA

O maior problema da "futebolização" da política é aquele que não se vê, para além dos impropérios e atitudes sectárias na defesa do seu clube.
No futebol, acaba o campeonato, uns festejam, outros choram e insultam árbitros, a corrupção e o sistema. Mas daqui a uns meses começa tudo de novo, como se não tivesse acontecido nada. É um reboot completo do sistema.
Mas na política não é assim. As consequências do que se faz na governação, bem ou mal, perduram durante muito tempo, particularmente estas ultimas, já as coisas boas estragam-se num momento e as más demoram muito tempo a reparar.
E cada vez se tem menos consciência disto.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Vítor Constâncio em 2000

"Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento."

Em:

https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/IntervencoesPublicas/Paginas/intervpub20000223.aspx


Meus amigos, percebem agora de onde vêm os nossos problemas? Dos dirigentes e não do povo.

Dívida pública (números)

De um comentário no blogue Quarta República:

No ano 2000, a dívida pública portuguesa somava 61 mil milhões de euros, o que correspondia a 48 por cento do PIB.
Era um valor bem abaixo do limite de 60 por cento estabelecido pelo tratado que criou a moeda única.
O problema é que em 2005 a dívida pública portuguesa atingiu os 96 mil milhões de euros, correspondentes a 62 por cento do PIB.
Tinha-se ultrapassado neste ano o limite dos 60 por cento estabelecido em tratado e isto obrigava Portugal a travar o endividamento.
Mas em vez de travar, Portugal fez exatamente o contrário: o endividamento disparou.
Como consequência, em 2011, quando a troika chegou a Portugal, a dívida publica já estava nos 185 mil milhões de euros, correspondentes a 108 por cento do PIB, quando o limite era 60 por cento.
Foi aqui que nasceu a crise da dívida em que estamos agora mergulhados.
Para agravar as coisas, o Eurostat descobriu que vários países, incluindo Portugal, estavam a esconder a dívida em empresas públicas, dívida que não era incluídas nas contas nacionais.
Ou seja, o país continuava a endividar-se mas escondíamos a dívida.
Bruxelas deu ordem para alargar o perímetro orçamental também às empresas públicas, o que fez ainda disparar mais os números da dívida.
De tal modo que no mês passado a dívida pública portuguesa atingiu os 233 mil milhões de euros, um valor que deverá rondar os 130 por cento do PIB, o que é mais do dobro dos 60 por cento a que Portugal se comprometeu por tratado.

terça-feira, 3 de maio de 2016

COIMBRA

Por diversas maneiras, umas mais ruidosas, outras mais silenciosas, foi-me feito sentir algum desconforto ou mesmo desagrado pelos textos que publiquei nestas duas últimas semanas sobre Coimbra.
Mas na realidade, se observarem bem, vereis que os aspectos abordados são os que considero estratégicos para Coimbra. Aqueles que  permitirão dizer, daqui a vinte ou trinta anos (quem cá estiver) se a actuação dos responsáveis políticos escolhidos pelo povo foi boa ou se, pelo contrário, foi desfavorável à Cidade e seu concelho.
Claro que também observo se um determinado passeio está por arranjar, se um jardim ou outro está desconsoladamente abandonado, etc. etc. A questão é que estes problemas, cuja resolução é importante para o dia-a-dia dos cidadãos, não são o que definem o nosso futuro colectivo.
A estratégia para a Cidade exige pensar lá mais para a frente, perceber o que se passa aqui e no mundo em resumo, ver os problemas e saber como resolvê-los. Nada mais que isto. E já não é pouco.
Abraço amigo a todos.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Coimbra (parte 2)


A classificação da Universidade e da Rua da Sofia como património da Humanidade pela Unesco não foi mais do que o reconhecimento do extraordinário valor patrimonial de Coimbra que, aliás, não se fica por ali. Basta recordar toda a Alta, a Igreja de Sta. Cruz com os túmulos dos nossos primeiros reis e a Sé Velha, para além do Mosteiro de Sta Clara-a-Velha, jóia patrimonial hoje patente em todo o seu esplendor. Tal como Sta. Clara-a-Nova que abriga o túmulo da Rainha Santa numa Igreja, toda ela espantosa.
O afluxo turístico crescente que procura Coimbra encontra uma oferta hoteleira variada e de qualidade, ao contrário de há poucas décadas.
A oferta cultural de Coimbra conta hoje, para além dos tradicionais organismos académicos, com diversas companhias de teatro profissionais dotadas de instalações devidamente equipadas. Coimbra afirma-se hoje também por ter uma orquestra profissional de música erudita residente que não poderá deixar de vir a ser aproveitada pelo novo equipamento do Convento de S. Francisco o qual, pela sua dimensão e qualidade, deverá levar Coimbra a competir culturalmente num campeonato completamente diferente do que conhecíamos antes. Não poderemos esquecer que é pela Cultura que actualmente qualquer Cidade se afirma a nível internacional. A cultura é a manifestação pura da liberdade e o maior diferenciador entre uma cidade perdida no passado e uma cidade viva e promotora da qualidade de vida das suas gentes.

Os conimbricenses criticam, muitas vezes com razão, aspectos menos felizes da Cidade e devem certamente continuar a fazê-lo porque a exigência é sempre uma atitude cívica correta e mesmo necessária. Mas desafio os leitores a, de vez em quando, saírem das suas voltas habituais e a fazerem turismo dentro da sua Cidade, a pé de preferência, e tentarem vê-la como os visitantes o fazem. Percorram os trajectos dos turistas, visitem a Universidade e a sua Biblioteca Joanina, vão ao Machado de Castro e criptopórtico, desçam à Baixa, uma vez pelo Quebra-Costas, outra vez pela Couraça de Lisboa, vão até à Praça Velha e passem pela casa medieval, olhem à volta e deliciem-se com aquilo por onde se passa tantas vezes sem ver com olhos de ver, como se costuma dizer. Da esquina do antigo governo civil encham os olhos com uma das vistas mais belas que conheço. Vão aos espectáculos de teatro e de música, visitem as exposições, que as há sempre em vários locais. Verificarão como Coimbra é hoje uma cidade diferente, virada para o futuro, e que espera de todos nós uma atitude consentânea com essa realidade, a começar pelos que, de uma forma ou outra, têm a responsabilidade de propor respostas políticas.
Os anos setenta e oitenta do século passado levaram grande parte do tecido económico de Coimbra. Não adianta chorar pelas indústrias que desapareceram interessa, sim, perceber porque isso aconteceu e de que maneira estamos a ultrapassar essa situação que não foi exclusiva de Coimbra, antes pelo contrário, basta ver as enormes áreas industriais abandonadas em Lisboa e no Porto. A adaptação a uma economia que está a transformar-se rapidamente em todo o mundo exige uma capacidade de resposta que passa muito pela flexibilidade e pela formação plural. Características essas proporcionadas pela existência de um ensino superior moderno e não elitista, virado para a investigação de topo, mas também para a ligação ao mundo da economia e da cultura, exigência da tecnologia dos nossos dias que rapidamente está a mudar as nossas vidas.
A saúde é um dos nossos bens mais preciosos e a garantia de que todos podem ter acesso às melhores condições para dela dispor é certamente um avanço civilizacional, mesmo dos mais importantes. E é uma área em que a afirmação de Coimbra a nível nacional, mas hoje também a nível mundial é uma verdade insofismável. A qualidade da formação superior em medicina, enfermagem e farmácia, bem como a investigação em todas as áreas ligadas à saúde, tem levado a uma afirmação que vai muito para além da oferta de excelentes serviços de saúde. A economia ligada à saúde é hoje em dia um “cluster” que em Coimbra tem uma importância extraordinária e condições para continuar a desenvolver-se e a aumentar o seu valor.

Estimado leitor, embora possa parecer uma declaração de amor a Coimbra, esta crónica que acabou por exceder o tamanho habitual e se dividiu em duas, é muito mais do que isso, é a minha demonstração de que Coimbra é muito melhor do que muitos dizem.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Coimbra (parte 1)


 Não deverá haver melhor dia para escrever sobre a minha Cidade do que este em que celebramos a Liberdade e a devolução da soberania a quem nunca deveria ter sido tirada, o Povo. 
Coimbra é a minha Cidade de acolhimento, para onde vim estudar para acabar o Liceu, porque naquela altura apenas as cidades capitais de Distrito possuíam escolas até ao fim do 7º ano que permitia o acesso à Universidade. 

Coimbra tinha ainda a vantagem de ter a sua Universidade, pelo que todas as Beiras drenavam os seus estudantes para aqui, para além de virem outros de grande parte do país porque, por exemplo, a Universidade do Porto não dispunha da oferta de cursos da de Coimbra em Letras e em Direito. Tinha dezanove anos aquando do 25 de Abril que viria a mudar radicalmente Portugal e também a relação de Coimbra com o resto do país. As mudanças trazidas pela democratização do ensino alteraram os fluxos de jovens, permitindo que primeiro, fizessem os seus estudos secundários nas suas próprias terras de origem e depois, os próprios estudos superiores à medida que novas universidades e politécnicos se foram instalando por todo o território nacional.
Pode-se dizer que estas alterações não deixaram de ser, nas primeiras décadas da Democracia, desfavoráveis a Coimbra que sofreu um notório definhamento na comparação com outras cidades do país, não acompanhando a sua evolução. Era, eventualmente, inevitável. Para isso contribuiu ainda uma evolução errada da ocupação do território, que privilegiou o crescimento das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto ensanduichando toda a zona das Beiras, com Coimbra no seu centro. Certamente, não ajudou muito que responsáveis regionais pretendessem a afirmação da zona Centro como sendo polinucleada, isto é com várias cidades consideradas como equivalentes, tendo definido as políticas regionais em função desse princípio. Tal terá contribuido para a diminuição da importância do papel de Coimbra na região e, no meu ponto de vista, da própria região com efeitos que ainda hoje se fazem sentir, nomeadamente nas ligações rodoviárias para cidades do interior, casos de Viseu, Covilhã e Castelo Branco.
Mas Coimbra reagiu e surge hoje com uma afirmação a vários níveis, que só os chamados “coimbrinhas” no seu histórico pessimismo e gosto pela má-lingua se recusam a ver. Se já não recebemos os estudantes das Beiras como dantes, em contrapartida os estudantes estrangeiros que nos procuram são aos milhares e Coimbra não fica notoriamente a perder, sob o ponto de vista económico, mas também pela nova característica cosmopolita que ganhou.
O espaço urbano é hoje muito diferente, surgindo a cidade como polinucleada, não já com apenas um centro, o que lhe confere uma vivência urbana mais moderna e variada. Claro que o velho centro sofreu desertificação, mas há hoje um movimento de regresso que dentro de no máximo meia dúzia de anos, se poderá classificar de espectacular e eu sei bem do que falo neste aspecto particular. Os parques verdes junto às duas margens do Mondego alteraram por completo o relacionamento dos conimbricenses com o rio que anseiam agora pela continuação da intervenção urbana nas duas margens até à Ponte-açude.


(2ª parte na próxima semana)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Offshore da decência


A resolução de problemas financeiros pessoais ou empresariais tem um determinado tipo de opções, desde que a honestidade, a ética e, mais prosaicamente a simples decência, estejam bem arrumadas num qualquer local a recato de observações incómodas. Tal como acontece com o próprio dinheiro arrecadado de uma forma digamos, menos convencional.
Os chamados “Panama papers” vieram avivar o interesse público pela utilização dos chamados “offshores”, paraísos fiscais e zonas francas existentes um pouco por todo o mundo e até mesmo, cá em Portugal. Curiosamente, a publicação a conta gotas daqueles documentos, não veio trazer grandes surpresas no que diz respeito aos portugueses envolvidos, que já estariam mesmo a ser objecto de investigações por parte das nossas autoridades. Boa parte dos nomes incluídos seriam uma surpresa mas ao contrário, isto é, se não estivessem na lista, quase como um “noblesse oblige”. O mesmo não se dirá da inclusão de dirigentes chineses, a começar pelo presidente, o seu irmão e vários outros altos cargos do partido comunista chinês na lista dos detentores de empresas e contas bancárias offshore, o que mostra bem que a ganância e a ética não têm cor política.
Nesta era em que, pelos vistos, se dá tanto valor à amizade, os “Panama papers” vieram também tornar pública a fortuna colocada em offshore de um grande violoncelista russo que é um grande amigo de Vladimir Putin e é o feliz possuidor da singela maquia de 2.000 milhões de dólares que o próprio também justificou como dádivas de amigos e admiradores. 

Lá está, costuma dizer-se que os amigos são para as ocasiões e são tantas e tantas vezes a solução para problemas financeiros e não só, que essa bela instituição da amizade se não existisse já há muito tempo, teria que ser inventada de novo.
Claro que tudo o que tenha a ver com bancos não tem, à partida, nada a ver com decência. Mas resolver os problemas dos bancos portugueses que foram eles próprios a criá-los com as suas escolhas empresariais ao longo dos anos através de um banco mau que será com toda a certeza pago pelos contribuintes, é a prova disso mesmo. Quando Portugal assinou em 2011 o famigerado “Protocolo de Entendimento” com a troika com o empréstimo no valor de 78.000 milhões de euros visou apenas resolver os problemas do Estado, deixando de lado o sistema bancário, que já na altura necessitava de 30 a 40 mil milhões para se equilibrar. 
A consequência foi os bancos, um após o outro, serem objecto de resolução ou venda forçada ao primeiro que aparecer, deixando de lado os “activos” mal parados para mais tarde resolver enviando a conta aos cidadãos contribuintes. Alguém achará decente não deixar falir os bancos, responsabilizando os donos/accionistas, protegendo-se apenas os depositários até ao valor previsto na Lei? Porque já se sabe quem pagará a conta dessa protecção e quem beneficia com isso.
E o que dizer de altos responsáveis da Polícia Judiciária detidos por se terem deixado envolver no tráfico da droga de cujo combate eram até há pouco tempo a cara? E dos funcionários do Fisco que decidiram montar o seu próprio negociozinho privado de venda de declarações falsas a empresários que delas precisavam? A boa notícia é que as forças policiais funcionaram e não tiveram dúvidas em acabar com o regabofe.
Tal como anteriormente os responsáveis máximos dos serviços envolvidos na emissão de Vistos Gold a estrangeiros foram detidos por suspeita de montarem o seu próprio negócio co-lateral, envolvendo o próprio Ministro responsável por essa área governativa.
Longe da decência andará igualmente a proposta estapafúrdia de transformar as mulheres em mero instrumento reprodutivo, através da proposta de aprovação das “barrigas de aluguer”. Que diabo de direitos de terceiros podem justificar que as mulheres possam ser legalmente reduzidas àquela condição?
Muitos milionários colocam os seus haveres a bom recato de fiscos e outros olhares “incómodos”, utilizando para isso os “offshores” que as autoridades deste mundo permitem e até patrocinam. Mas tudo isto que vamos vendo e lendo por todo o lado mostra que há algo que anda muito mais longe da vista e chama-se, apenas, decência.



segunda-feira, 11 de abril de 2016

Para memória futura.

Detesto militarismos.
Mas fiz serviço militar e sei que, como em tudo na vida, só se respeita quem se dá ao respeito.



Criminosos de guerra, dos nossos dias


 Por estes dias de grande azáfama informativa, ou antes de enxurrada de notícias que mais parece construção de biombo para esconder a realidade, houve uma que passou praticamente despercebida nos nossos meios de comunicação social: “Radovan Karadžić, líder dos sérvios bósnios na guerra da Bósnia de 1992-95 foi considerado culpado de genocídio e crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional da ex-Jugoslávia na Haia. Foi condenado a 40 anos de prisão.” Para este texto tive que me socorrer da revista Economist e outros textos de imprensa internacional porque, por cá, parece só nos interessarmos por denúncias anónimas e umas pueris ameaças de bofetadas queirosianas.
Os mais jovens nem saberão o que foi a guerra na Bósnia e, provavelmente, nem imaginam que na nossa Europa, há uns escassos 20 anos, houve uma guerra cuja brutalidade e selvajaria não ficou a dever nada ao que se passa hoje no Médio Oriente.
Após a II Guerra Mundial, um dos países surgidos para lá daquilo a que Churchill chamou Cortina de Ferro, foi a Jugoslávia. O regime comunista instalado foi dominado com mão de ferro pelo Marechal Tito possuidor de personalidade muito forte mas que não tentou sequer solucionar as divisões entre as repúblicas, especialmente a Sérvia e a Croácia temendo-se que, quando o seu regime acabasse, se desse a desintegração do país.

De facto, após a sua morte e o fim do bloco soviético, os demónios dos ultra-nacionalismos libertaram-se e deram origem à guerra civil que surgiu entre 1992 e 1995, conhecida como Guerra dos Balcãs. As atrocidades cometidas por todos os lados deste conflito são indescritíveis, colocando em causa todo o nosso conceito de civilização e de respeito pelos outros, de uma forma ainda mais acentuada por acontecer no centro da Europa, em pleno final do século XX. Todos os fantasmas da região, que já tinham dado origem à I Grande Guerra, continuando pelas lutas entre extremistas nazi-fascistas e comunistas durante a II Grande Guerra e que tinham sido contidos pelo regime do Marechal Tito, pareceram transformar-se em verdadeiros cavaleiros do apocalipse, eliminando qualquer pequena mostra de humanidade.
O massacre de mais de 7.500 homens e rapazes muçulmanos bósnios no enclave de Srebrnica em Julho de 1995 foi apenas um dos dez crimes de que Karadžić foi considerado culpado pelo Tribunal Penal Internacional da ex-Jugoslávia, das onze acusações de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outras atrocidades. Evidentemente, Karadžić não andava sozinho. O seu comandante militar Ratko Mladic está também a ser julgado, devendo conhecer a sentença do Tribunal ainda no decorrer do corrente ano, mas o principal responsável, o ex-presidente jugoslavo Slobodan Milosevic já se livrou de qualquer penalização, por ter morrido em 2006, enquanto era julgado.
A história pessoal de Radovan Karadžić deve ser conhecida, dado ser a demonstração de como uma pessoa comum pode degenerar num criminoso sanguinário. Karadžić, nascido no Montenegro na Jugoslávia em 1945 é um psiquiatra com formação nas Universidades de Sarajevo e Colúmbia em Nova Iorque, sendo além disso um poeta com obra publicada. 

Apesar de tudo isso, as circunstâncias do fim da Jugoslávia e da sua herança política familiar, sendo filho de um antigo combatente da Chetniks, levaram-no a participar activamente numa das facções políticas e mais, a pegar em armas e comandar e participar nos crimes odiosos pelos quais foi agora condenado. Terminada a guerra dos Balcans, Karadžić pôde viver calmamente no centro de Belgrado, sem ser denunciado por ninguém, apesar dos mandados de busca internacionais que sobre ele pendiam, tendo deixado crescer umas barbas e usando identidade falsa, fornecida pelas próprias autoridades sérvias. Só em 2008 a polícia internacional o identificou, deteve e apresentou ao Tribunal onde aguardava ser julgado, tendo ele próprio assegurado a sua defesa, perante as mais de três milhões de folhas que compunham a acusação.
A História mostra que, quando os conflitos são mal resolvidos, há sempre consequências. Que as sentenças do Tribunal Penal Internacional da ex-Jugoslávia sirvam, pelo menos, para demonstrar que nos nossos dias a barbárie, mais tarde ou mais cedo, não fica impune.



segunda-feira, 4 de abril de 2016

FMI novamente com más notícias


 Neste período de “distensão política” poderíamos ser levados a pensar que o tempo do FMI em Portugal foi apenas um sonho mau e que já estávamos livres desses senhores. No entanto, a realidade tem muita força e acaba sempre por se impor, por mais que muitos tentem cobri-la com o manto diáfano da fantasia.
Portugal já tem um Orçamento de Estado para 2016, que foi promulgado pelo Presidente da República em apenas quatro dos vinte dias de que dispunha para o fazer. Não tendo sido levantadas quaisquer dúvidas sobre a existência de inconstitucionalidades no documento, não havia razões para que não entrasse rapidamente em vigor, até porque já estamos em Abril. É claro que não haveria inconstitucionalidades como em tempos recentes de aplicação do memorando com a troika, no fio da navalha das receitas e despesas, com a necessidade de fugir à bancarrota nacional que, essa, afinal não é inconstitucional.
Claro que, mais importante que ter um orçamento, é a sua concretização tendo em vista a recuperação da economia do país. E foi aqui que o relatório da terceira avaliação pós-programa do FMI veio como um duche de água gelada, por mais que se tente esconder isso do povo. O FMI mostra não acreditar nas metas contidas no Orçamento e pede que sejam tomadas medidas adicionais, quer do lado da despesa, quer do lado da receita, para que os valores do défice e da dívida no final do ano se aproximem dos objectivos fixados. A fim de diminuir a despesa do Estado, o FMI considera que “as propostas que dizem respeito à reversão total dos salários dos funcionários públicos este ano devem ser reconsideradas para um período de tempo mais longo”. Já do lado da despesa, o FMI considera que “ a reversão da sobretaxa de IRS e a redução do IVA para algumas categorias deve ser adiada até que seja identificado espaço orçamental para o fazer”.
Tudo isto porque o FMI prevê para este ano um défice das contas públicas de 2,9%, portanto 0,7% acima do previsto no Orçamento, quando em 2015 foi de 3,0% não contando com o efeito do BANIF, que por si acrescenta 1,4%, estando ainda por explicar a razão disso. No que respeita ao défice estrutural, o FMI prevê um agravamento de 0,5% do PIB, para o valor de 2% do PIB.
Como se a negritude do cenário traçado não fosse ainda suficiente, o FMI avisa que o crescimento da economia já atingiu o máximo, indo descer a partir de agora, com as opções orçamentais aprovadas, se não houver mais reformas estruturais. Quando se sabe que o anémico crescimento de 2015 que terá sido de 1,46 depois de ser de 0,91 em 2014 e claro, negativo nos anos anteriores, ainda pode descer mais, as preocupações não podem deixar de ser grandes. O FMI não se refere a outros factores como o desemprego, mas a verdade é que no primeiro trimestre de 2016 esta taxa voltou a crescer, o que já não sucedia há vários trimestres, o que não vem ajudar nada a sermos optimistas.

Por fim, o FMI alerta para o grave risco da revisão da única nota de investimento atribuída em Portugal, pela  única sociedade de rating que não nos classifica como “lixo”. A acontecer, o que poderá ser consequência de incerteza política ou se as previsões do Orçamento de Estado não se vierem a verificar, particularmente no crescimento económico, as consequências para o país serão muito más, quer pelo lado da falta de investimento estrangeiro quer, pior ainda, por o Banco Central Europeu (BCE) deixar de poder comprar dívida pública portuguesa e os bancos portugueses deixarem de poder usar a dívida soberana como colateral para se financiarem.
É bem sabido que o FMI não colhe a simpatia generalizada dos cidadãos, e isso acontece por boas razões. A simples referência à deslocação das suas delegações significa más notícias para os países que os recebem. A razão principal é que o FMI só tem que se deslocar a países que o chamam por estarem em situação financeira desesperada. Não vão àqueles que têm políticas que conduzem a crescimentos económicos e bem-estar dos cidadãos, porque não é preciso. As soluções que apresentam são também normalmente pesadas e exigem sacrifícios de grande parte das populações, principalmente das que não podem fugir, o que obviamente não é nunca o caso dos muito ricos.
No nosso regime democrático já fomos obrigados a chamar o FMI por três vezes, o que constitui um triste recorde internacional. Seria bom que todos tivéssemos consciência disso e das razões que levaram a essa resposta desesperada. Em vez de clamar contra o mensageiro das más notícias, que não é mais do que isso, devemos antes ter atenção ao que diz e exigir rigor nas contas públicas e na governação. Nada mais, aliás, do que o que o Presidente Marcelo fez na sua declaração ao país ao comunicar a promulgação do Orçamento de Estado.


domingo, 3 de abril de 2016

Concordo com José Manuel Fernandes:

"foi vergonhoso o voto contra do PSD na condenação, pela Assembleia da República, dos julgamentos de Luanda. Vergonhoso. Tal como o do CDS, pois o do PCP foi apenas… lógico."

Para onde vão as reversões? Quem tem mais cuidado em favorecer os desprotegidos, na prática?

Imagem A


https://desviocolossal.wordpress.com/2016/02/08/as-consequencias-redistributivas-de-um-governo-de-esquerda/

segunda-feira, 28 de março de 2016

Assassinos. Em todo o mundo.


E voltaram a fazê-lo. Os agentes do autoproclamado Estado Islâmico voltaram a matar pessoas na Europa, desta vez em Bruxelas que, para além de ser a capital da Bélgica, funciona também, na prática, como capital da União Europeia. Por isso mesmo, todos os que nos sentimos europeus, sentimos esses atentados como sendo contra nós próprios, o que nos faz sentir também atacados e vítimas da barbárie, em completa solidariedade com os 31 mortos e centenas de feridos em Bruxelas.
No entanto, e sem ir mais longe, uma revisão dos atentados de raiz islâmica desde 13 de Novembro de 2015 em que morreram pelo menos 137 pessoas em Paris, dá-nos um quadro tenebroso que não deixa praticamente nenhuma parte do mundo livre destas acções. Assim, de forma resumida, no mesmo mês de Novembro, um atentado em Beirute provocou 43 mortos, outro em Bamako no Mali, 27 mortos, e um em Tunes, 12 mortos. No mês de Dezembro, em San Bernardino nos EUA morreram 14 pessoas e em Panaclim no Paquistão, 23 pessoas. Já em Janeiro do corrente ano, um atentado em Zliten na Líbia, fez 65 mortos e outro em Jacarta na Indonésia, 8 mortos. Em Fevereiro, um atentado em Bagdad no Iraque, provocou 73 mortos. 

No corrente mês de Março, ainda antes de Bruxelas os terroristas islâmicos atacaram em Ancara na Turquia onde fizeram 37 mortos e em Grand-Bassam na Costa do Marfim, causando 18 vítimas mortais. Não refiro o nº de feridos, que é de largas centenas. Antes destes atentados, recorda-se o sucedido em Bruxelas em Maio de 2014 quando um islamita matou 3 pessoas no Museu Judaico, dando início a este ciclo de atentados, a que se seguiu a matança do Charlie Hebdo em Paris, em Janeiro de 2015, em que morreram 12 pessoas.
Há evidentemente um ponto comum em todos estes atentados, que é o facto de em todos eles os autores se reivindicarem de islamitas e agirem em nome da sua religião, pela construção de um dito califado e contra os cruzados do ocidente. Notoriamente são tele-comandados pela organização do dito Estado Islâmico ou DAESH que em muitos casos envia os terroristas, mas em muitos outros utiliza agentes nascidos nos próprios países europeus onde atacam.
Estes ataques terroristas, juntamente com os milhões de refugiados que há anos procuram a segurança da Europa, são uma das consequências do estado actual do Médio-Oriente. Se até ao final dos anos 70 do século passado a vida naquela zona do globo era minimamente aceitável, bastando ver as fotografias dessa altura, a implantação dos estados teocráticos desfez as ilusões de quem imaginaria que a civilização, tal como a conhecemos no resto do mundo, era ali possível. O regime dos aiatolas no Irão e a monarquia da Arábia Saudita acirraram os ódios seculares entre as duas principais facções islâmicas, favorecendo o surgimento de pequenos grupos radicais que foram crescendo de importância, até se tornarem no que são hoje. A invasão soviética do Afeganistão em 1979 e a guerra selvagem que se seguiu, criou as condições para o regime dos talibans e o desenvolvimento da Al-Qaeda, o atentado do 11 de Setembro e posterior invasão americana, a que se seguiram as guerras do golfo. As chamadas primaveras árabes que descambaram nos mais sombrios invernos e a guerra civil na Síria formaram o caldo em que os mais radicais dos radicais islâmicos começaram a fazer o que se considerava impossível, isto é, conquistar grandes áreas de terreno, estabelecer uma organização económica também ela toda baseada em terrorismo e formar algo com aparência de estado, o DAESH.

Os ataques internacionais contra o dito Estado Islâmico têm sido importantes e estarão a ter consequências quer na sua organização, quer na reconquista de terreno. Mas existe a sensação de que não está a ser tudo feito para acabar com ele, o que levanta dúvidas e mesmo suspeitas sobre os seus financiamentos e aquisição de armamento. A venda de petróleo e bens culturais tem que ser feita através de países vizinhos, tal como a entrada de armamento.

Discute-se muito, e bem, sobre o controlo dos possíveis terroristas no interior dos países europeus e a necessidade de prevenir os actos terroristas; discute-se igualmente a necessária segurança associada aos milhões de refugiados vindos do Médio Oriente. Mas essas, repito, são consequências de algo e não o verdadeiro problema. E esse consiste na situação caótica no Médio Oriente, de que muitos são historicamente responsáveis, mas para o qual é necessário, acima de tudo, encontrar solução. Há o problema militar do Estado Islâmico que exige solução drástica e rápida, através da concertação internacional, na qual a Europa tem que ter voz decisiva, dado que é a primeira a sofrer as consequências.
E há o problema cultural e religioso do Islão em confronto com o resto do mundo que há muitos anos escolheu um modelo civilizacional assente nos direitos definidos internacionalmente, quer os humanos, quer os das mulheres e das crianças, por exemplo. Esse será, talvez, o mais difícil de resolver sabendo que, se sempre houve fanáticos e sempre haverá, o que é preciso é que por detrás deles não haja falsos moderados a instigarem o ódio e o terror.